terça-feira, janeiro 31, 2006

Não há pachorra para quem chucha no dedo

De facto «Thumbsucker» é uma parábola sobre a passagem à idade adulta, ou seja, sobre a adolescência, aquele estado porque todo a criatura racional passa e de onde muitos nunca chegam a sair.

Mas não sei se é por culpa da interpretação e do polegar de Lou Taylor Pucci, ou se por culpa daqueles seus pais tão irritantemente complicados, a verdade é que achei que o realizador transformou uma ideia engraçada e originial numa chatice em três actos, e em que apetece dar um abanão a toda aquela família, tão monocórdica quanto inerte.

E eis os vencedores da edição deste ano de Sundance:

Na circunstância vencedores ex-aequo: «Quinceañera», de Wash Westmoreland e Richard Glatzer, que retrata as dificuldades de integração de uma família hispânica de Los Angeles, e o documentário de Christopher Quinn, «God Grew Tired of Us», sobre três jovens sudaneses que emigram para os US of A para fugirem à guerra civil no seu país.

Eis os candidatos aos Óscares deste ano:

Bom, dadas as circunstâncias, o mais que posso pedir é que Philip Seymour Hoffman ganhe a estatueta, bem como «Crash», Keira e Clooney. O resto que se dane.

segunda-feira, janeiro 30, 2006

A neve em Lisboa ...

... pela boca de uma lisboeta, em reportagem tv, falando com o cão, no meio de uma estrada branca de neve: Oh! Joca, parexes uma obelha!

Que fizeram aos meus Sugus?!

A Wrigley acaba de comprar a marca Sugus; pelo que depreendo que estes passarão a saber muito mais a pastilha elástica do que já sabiam quando foram comprados pela Kraft à Schweppes. Perguntar-me-ão o que têm a ver os Sugus com cinema? Bom, é que costumavam ser os meus substitutos de pipocas quando eu era pequeno... mas houve um dia em que alguém disse que os de hortelã pimenta (os meus favoritos) faziam mal à gente, e logo a coisa foi retirada do mercado. Para voltarem há poucos anos, mais duros, com embalagem mais feia, e sabendo a chewing-gum.

A quintessência do deboche

Antes de mais, há que dizer que só em alguns pontos este «The Libertine» coincide com a vida escabrosa, debochada, mas, por vezes, genial, de John Wilmot, 2º Conde de Rochester, percursor, de alguma maneira, do Marquês de Sade, e homem admirado por Voltaire e Goehte. Com efeito, o estreante Laurence Dunmore baseou-se muito mais na peça de Stephen Jeffreys do que propriamente nas façanhas mirabolantes deste homem, profundamente culto, que vivia para em equilíbrio de fio-de-navalha.

Como filme de época, «The Libertine» é um brilhante exercício sobre a atmosfera que se viveu no período da Restauração inglesa, no pós-trauma dos Cromwell; para o que contribui decisivamente não só a sua fotografia quase mono-cromática, por vezes assombrosamente saturada de grão, mas também pormenores bem apanhados como as botas dos nobres do Merry Gang atolando-se na lama das ruas de Londres, ou um King Charles Spaniel defecando em plena sala de autos de um solene Charles II.

Mas «The Libertine» é também um filme de actores, e aí, Johnny Depp está assombroso enquanto anti-puritanista primário, rubricando uma interpretação totalmente à margem do seu c.v., feito de personagens românticas, boas e infantis. E há alguns momentos verdadeiramente conseguidos, como sejam o ensaio de uma Samantha Morton feita Mrs.Barry, a encenação verídica de Signor Dildo, ou a intervenção de Rochester salvando (mais tarde, o problema haveria de se agudizar...) a descendência de Charles II, em plena Câmara dos Lordes. Quanto a Malkovich, ele é daqueles actores a que basta a expressão facial para ter o espectador a seus pés, mesmo com nariz postiço.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

São simplesmente notas a mais, comenta o Imperador José II, em «Amadeus» (1984)

Hoje, só se devia ouvir Mozart. Basta de poluição!

Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791)

Uma coisa leva à outra

Escutando o virtuosismo de Ry Cooder em «Paris, Texas» (1984), lembrei-me daquela peregrinação interior de Harry Dean Stanton, em busca de Kinski, naquele ano em que até John Savage queimava a sua mão na placa do fogão de cozinha para lhe provar o seu amor.

E ainda a outra

Por causa do deserto: que é feito de John Sayles, um dos mais estimulantes realizadores da actualidade, agora que enveredou pela comédia com «Silver City»?

Descobertas duas telas de Caravaggio em Loches

São notícias como esta que me fazem acreditar que ainda há boas surpresas neste mundo.

Chorei (1)

Anteontem, passeando os meus dedos pelos CD de letra "C", dei de caras com «The Berry Vest of Gilbert O'Sullivan». Embora a capa seja pirosa; T-shirt branca com umas cerejas, não hesito! Mas eis que reparo em «Ooh Baby!», naquele que foi o meu primeiro 45 rotações: é em versão mix! Não, assim o caldo está entornado. Coloco os auscultadores. Confirma-se. Ponho-o de lado. Mas antes disso, páro na faixa de «Alone Again (Naturally)». E choro.

Chorei (2)

Por coincidência (que as há), nessa mesma noite, ligo a TSF e o que ouço? «Naturally».

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Polícia austríaca recupera o tridente do "Saleiro" de

Cellini. Terão sido Salt & Pepper? Terá sido o comissário lobo da Alsácia, Rex?

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Saw II — A Experiência do Medo? LOL

O primeiro «Saw» era um mau filme de terror. Esta sequela consegue ser pior. Trata-se mesmo de um filme «not to be seen»

La voix n'est autre chose que le mouvement des molécules de l'air sous l'impulsion d'une âme

(Béatrice, Marcel Schwob). Alguém consegue explicar-me por que não é este génio adaptado ao cinema?

terça-feira, janeiro 24, 2006

Quando a verdade mente

É quase sempre um prazer ver-se um filme de Atom Egoyan, apesar dos seus filmes estrearem por cá quando calha, sem qualquer tipo de critério. Desta vez calhou-nos em sorte «Where the Truth Lies», que se pode traduzir por «Onde a Verdade Reside», mas também por «Onde a Verdade Mente», título muito mais apropriado já que mais enigmático, desafiante, sugestivo e motivador, como todo o filme que se preze como sendo deste egípcio-canadiano. Mesmo que desta vez o resultado final não seja o esperado.

De facto, do que se trata aqui é, de certa forma, uma colagem aos policiais de antanho, onde imediatamente nos salta à memória esse exercício fabuloso que é «Chinatown», de Polanski. O desenvolvimento do filme faz-se praticamente da mesma maneira: narrador, caso escabroso, investigação, esqueletos do baú, envolvimento entre personagens que não se deviam envolver, locais, culpado saído da cartola, etc. Contudo, Egoyan incute-lhe um traço à Lynch e conta com dois actores verdadeiramente notáveis: Kevin Bacon e Colin Firth, em duas composições brilhantes. E embrulha-nos tudo com um banda sonora verdadeiramente assombrosa. Mas chegará?

Domingo: Portugal em dois filmes

Domingo passado, enquanto que 50,6% dos portugueses acreditavam estar a entrar em a brave new world, Portugal passava no Canal Hollywood, em «Don't Raise the Bridge, Lower the River » (1967), passando por um país onde se cantava, dançava e tocava a Bossa Nova, se fabricavam automóveis de nome «Bella», que rebentavam os motores ao fim dos primeiros quilómetros de rodagem, e em que as mulheres se cobriam com xailes e os dentistas eram péssimos. Enfim, filmes.

Excelente jogo de rede de Woody Allen

Depois de vermos «Match Point» aquilo que nos ocorre de imediato é que os ares da Velha Albion fizeram bem a Woody Allen. Devolveram-lhe a inspiração dramática, a pontos do seu filme lembrar continuadamente um filme do saudoso Losey. Desta vez o que temos não é uma comédia sentimental ou de costumes, mas um filme denso, no bom sentido, carregado de pinceladas de talento na procura das razões da sorte, ou da falta dela; do acaso, do fortuito, da queda da bola para um dos lados do court, quando bate na tela, e que tudo determina, para o bem ou para o mal.

E Allen serve(-se) como ninguém neste jogo de ténis, neste jogo de pares mistos, em que tudo vale, porque todas as linhas do court são para ser jogadas. Nesse campo, trata-se de um território habitual em Allen: pares que trocam de par, enganos e desenganos, amuos e caprichos, Europa versus América (só faltam mesmo os judeus); diálogos perfeitamente encadeados como se fossem trocas de bola na rede. E ainda há lugar para uma realização soberba (ai aqueles grandes-planos!), uma direcção de actores, idem, e algumas sequências fabulosas como aquela em que os protagonistas passeiam e se beijam num campo de trigo, sob uma imensa chuvada, a lembrar os mais clássicos dos clássicos.

Um grande filme, esta variante de Raskolnikov assinada por Allen, sempre acompanhada pela voz incrível de Caruso, e em que é só pena que Scarlett se apague deliberadamente em favor de Jonathan Rhys-Meyers e Emily Mortimer, a quem devemos seguir de perto em futuros papéis.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Estou chocado, pois ninguém me informou do leilão!

Esta notícia chocou-me: é que eu tenho andado a ver se recupero a miniatura da Corgi, que me encarreguei de espatifar quando tinha a puberdade. Não se trata do mesmo carro?!

Que Viva Eisenstein!

Eisenstein faria (faz) hoje, dia 23, 108 anos.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Hoje, a cultura no Mundo

Hoje ficámos a saber quais os candidatos aos Bafta.
O Festival de Sundance começa hoje.
Da Casa de Garrett, hoje, já só resta o R/C.

Austen, com orgulho e sem preconceito

Eis que passados anos e anos sobre a publicação de «Pride and Prejudice», a obra máxima de Jane Austen continua a gerar adaptações filmadas atrás de adaptações filmadas, e a provar que as novelas da célebre escritora inglesa são realmente de uma qualidade narrativa única e duma riqueza de diálogos e personagens tal, que conseguem resistir não só ao tempo como aos insultos que, de tempos a tempos, cérebros pouco esclarecidos resolvem proferir contra ela (atingindo até o limite do ridículo, quando a confundem com o fabricante de automóveis!), classificando-a de light e para uso juvenil. Para efeitos de prova-dos-nove o melhor mesmo é lê-la nas edições gloriosas da velhinha Inquérito, quando não em língua inglesa.

Dito isto, há que referir que esta enésima adaptação apenas não é a melhor alguma vez trazida a écran - que continua a ser a de 1940 (com Olivier e Garson à cabeça de um elenco notável, e com argumento de Huxely) - por duas razões simples mas bastante importantes: em primeiro lugar, o realizador, o estreante Joe Wright, transforma a família Bennet em alegres pacóvios (Brenda Blythn é uma excelente actriz, mas aqui exagera), vivendo com as galinhas e os porcos, o que nada tem que ver o que Austen escreveu. Depois, reduz significativamente a idade das personagens principais, à quase excepção de Mr.Darcy (Miss Lizzy e Mr.Bingley são exemplo disso), a um patamar tal que faz com que parte da composição das personagens roce a quasi comédia adolescente, totalmente errónea em relação à obra de Austen.

Não fora isso e o filme seria magnífico, pois está muito bem realizado, com poucos momentos pirosos (geralmente alçapões para outros adaptadores...) e com bom uso da câmara, quer na captação do rosto e gestos de Keira Knightley (já a franjinha é coisa de processo crime!), a voz de Matthew MacFadyen, e o enorme talento que é Sutherland, que rouba toda e qualquer cena onde entra; quer na lindíssima fotogafia.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

You're a very bad man, Walker, a very destructive man.

Falta só pouco mais de um dia para se acabar esta campanha, tão penosa como repetida. Como eu gostava que da próxima campanha aparecesse um Lee Marvin ao seu melhor, ou seja, assim, em «Pointblank» (1967). Talvez assim eu fosse votar!

Anda tudo maluco com o ténis?

Creio que a Scarlett fará mais pelo ténis em Portugal do que todas as vindas de Borg, Lendl, McEnroe, Gerulaitis, Sampras e Agassi em fim de carreira. Sou fã dela, mas ainda não sou babado. No entanto, farei o meu regresso aos courts, enquanto espectador, no dia em que ela venha promover o nosso medíocre Open do Jamor, quiçá em substituição do nosso miserável price money. Quanto ao filme, logo veremos...

Onde pára o Dogma 95?

Por causa da caça às bruxas do fabuloso mudo de 1922 que é «Häxan» (eu sei, eu sei que nada tem que ver com a pergunta), dei comigo a pensar no quão profícua a cinematografia dinamarquesa é, de tempos a tempos. Simplesmente, desde há uma série de anos, parece nada mais haver que não Von Trier. Onde páram aquelas regras e aqueles compromissos do Dogma 95?

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Impressões mediatas sobre os Globos

Sempre gostei (adorei, é mais o termo) westerns, mas suponho que Ford, Hawks, Siegel, Dwan, Huston, Vidor, Eastwood, etc., devem achar o mesmo que eu: deviam ter deixado a mensagem gay como sempre foi deixada, ou seja, subliminarmente.

Sempre achei piada a Capote, e sempre gostei de ler Capote. Mas acho redutor cingir uma bio desde talentoso e multifacetado beat ao episódio "A Sangue Frio", por mais impressionante e mediático que esse caso tenha sido.

Nunca achei grande piada a Cash, nem nunca gostei muito de o ouvir. Talvez ache o contrário depois de ver o filme com Joaquin Phoenix. Mas duvido.

terça-feira, janeiro 17, 2006

A frustração da guerra

À primeira vista, «Jarhead» parece um filme decalcado de «Full Metal Jackett», mas sem o brilhantismo do filme do mestre: os marines suam as estopinhas durante a recruta, dizem e sofrem obscenidades e parvoeiras entre jarhead, fazem declarações para os media, etc.) mas a pouco e pouco o filme parte para outra, que não o relato nú e crú da guerra, entrando antes pela via da narração, na primeira pessoa, da imensa frustração que a guerra é, a todos os níveis, mesmo para aqueles que só querem ir para lá para disparar contra qualquer coisa que se mexa.

Acontece que o filme seria vulgar (no que toca ao Iraque, «Three Kings» é-lhe superior) não fora duas coisas: a capacidade de Sam Mendes em tornar belo o cenário de horror (por vezes negro como um tição) daquela guerra do golfo, a tal Desert Storm. Já o tinha descoberto e conseguido com o lixo esvoaçando em «American Beauty», e volta a consegui-lo de novo. Há beleza naqueles poços de petróleo a arder. Naqueles corpos calcinados. Ou seja, Mendes consegue dar-nos beleza onde ela não existe. A outra grande mais valia do filme é a poderosíssima banda sonora, não tanto as músicas conhecidas mas a original, de Thomas Newman. Quanto a Jake "Donnie Darko" Gyllenhaal, ele está igual a si próprio mas isso não evita que perca todo o protagonimo para um surpreendente Peter Sarsgaard.

Ora aqui estão os globos de ouro deste ano:

Da extensa lista, saltam imediatamente à vista os seguintes premiados:

Prémio Cecil B.DeMille: Anthony Hopkins
Melhor dramático: «Brokeback Mountain»
Melhor actriz dramática: Felicity Huffman, em «TransAmerica»
Melhor actor dramático: Philip Seymour Hoffman, em «Capote»
Melhor musical ou comédia: «Walk the Line»
Melhor actriz em musical ou comédia: Reese Witherspoon, em «Walk the Line»
Melhor actor em musical ou comédia: Joaquin Phoenix, em «Walk the Line»
Melhor actriz secundária: Rachel Weisz, em «The Constant Gardener»
Melhor actor secundário: George Clooney, em «Syriana»
Melhor realização: Ang Lee, por «Brokeback Mountain»

segunda-feira, janeiro 16, 2006

De manhã, um corte entre o jazz e a pantalha

Anteontem, de manhãzinha, um inesperado corte ao fazer a barba. Antes de retocar a face com o lápis hemostático, porém, revi-me no saxofone de Gato Barbieri, e vi-nos tu, Maria Schneider, e eu, Brando, frente ao espelho no último tango.

A minha saudosa égua haveria de gostar

Sou sincero, gosto de aventuras com cavalos. E tenho como ponto de referência «Black Beauty», que uma sofrida mas inspirada inglesa de nome Anna Sewell resolveu escrever e de que encadernei edição magistral da velhinha Terra-Mar-E-Ar; mas que o cinema e a TV nunca deram a versão definitiva por mais que o tenham tentado. E não sinto vergonha de gostar porque sei que Coppola também gosta.

Por isso sou condescendente para com este «Dreamer», e dou de barato aquelas personagens por demais vistas, a menina prodígio "à la" Shirley Temple, etc., etc. Porque a minha saudosa Star (que a Reforma Agrária gonçalvista atirou para um matadouro) havia de gostar de ver ... que nem sempre uma perna partida significa o fim de um cavalo de corridas.

Um policial louco, louco!

«Kiss Kiss, Bang Bang» é mais uma das agradabilíssimas surpresas deste começo de ano cinematográfico em écrans lisboetas, que promete mais boas surpresas. Esta é uma comédia de polícias e ladrões, ao melhor jeito do que de melhor Joel Silver já patrocinou, e está centrada numa dupla de chispe e chispas, Robert Downey Jr. (e ainda bem que este pequeno grande actor está de volta!) e Val Kilmer, pronta para mais do que uma sequela, diga-se; que funciona às mil maravilhas e que gere a seu bel prazer um chorrilho de aventuras tresloucadas, a ritmo vertiginoso, e diálogos 100% na mouche.

Faz lembrar «Leathal Weapon», claro, mas é muito mais que isso. A realização está de parabéns, na pessoa do estreante Shane Black que desde o genérico inicial até ao último suspiro do filme, não deixa dormir ninguém descansado neste exercício altamente recomendável para quem gosta das aventuras de policiais de bolso, em que o enredo dá mil e uma cambalhotas, mas que não faz mal, porque o que interessa mesmo é descobrir-se o mau da fita que está mesmo ali, ao virar da última página.

Em jeito de rodapé, um lamento sob a forma de apelo: porque ninguém se lembrará do meu detective favorito, Shell Scott? Acho que já vai sendo tempo de o rodar...

Obituário: Shelley Winters (1920-2006)

Era uma actriz brilhante: uma secundária que ofuscava qualquer actriz principal, como é facilmente comprovável vendo qualquer dos seus 130 papéis, todos tão incrivelmente femininos, ao mesmo tempo frágeis e fortes. Era uma mulher e uma actriz de entrega apaixonada e, por vezes, violenta. Era um poço de talento e arrebatamento, a bonita Shelley Winters. Se tivesse que escolher um papel de eleição, escolheria o de Willa Harper, em "The Night of the Hunter" (1955), por toda e mais alguma coisa.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Consciência pesada ou oca?

Intrigante e inteligente filme, este «Caché»; mais um filme de enredo brilhante na lista já farta de obras do austríaco Michael Haneke. E é-o desde o genérico inicial, inscrito como registo computorizado de relatório confidencial.

A partir daí é dado o mote para uma magnífica parábola, que uns verão como alusiva à violação da privacidade por via da instalação de video-vigilância; outros verão como o olho invisível da nossa própria consciência, ou até de Deus. Outros, ainda, mais terra-a-terra, acharão que tudo não passou de chantagem emocional.

Eu, por mim, acho que metade do filme é talento de Auteuil (a quem acho o melhor actor francês da actualidade, entre um que vai envelhecendo, Michel Serrault, e um outro que vai crescendo, Benoit Magimel) e Binoche, que nos dão um festival de interpretação. A outra metade é o argumento, de uma precisão cirúrgica, direitinho à memória RAM de todo e qualquer espectador. Mas também acho que não era caso para tanto...

Desculpem o atraso ...

mas a culpa é do Metro. Não direi como aquele passageiro velhote, que a meu lado dizia "no tempo do Salazar eram 6 administradores e agora são 18, com 14 salários por ano". Direi apenas que é por isso que considero The Taking of Pelham One Two Three (1974) um dos melhores filmes de assaltos do cinema, e que nunca Robert Shaw esteve tão bem.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Para quando Nellie Bly num cinema perto de nós?

E por falar em Verne, para quando um biopic de Phileas Fogg no feminino, da repórter de Joseph Pullitzer, que conheceu o escritor e foi felicitada por ele próprio quando, em 1890, concluiu a sua volta ao mundo em ... 72 dias?

Verne questionou (bem) o progresso

A propósito de um post do meu amigo FCA sobre a versão muda americana das maravilhosas "20.000 Léguas Submarinas" (desculparás, amigalhaço, mas a melhor, para mim, continua a ser a versão de Fleischer, esse eterno subvalorizado), lembrei-me que o grande escritor francês morreu há 100 anos certos. E lembrei-me de uma vez ter lido que o seu editor, um tal de Hetzel (déspota, mas não esclarecido), recusou editar "Paris no Séc.XX" quando Verne foi ter com ele pela primeira vez. Razão: o livro era uma idiotice anti-progresso, demasiado exagerada e sentimentalona. A Paris que Dupreney - a personagem central - vive, e onde morrerá amaldiçoando a sociedade, é uma Paris onde a literatura virou light e a ópera, bolsa. Uma Paris em que há 100.000 casas de um lado, e 10.000 chaminés de outras tantas fábricas, do outro. Quanta premonição ...

Ia adormecendo a ver Narnia

«The Cronicles of Narnia», sinceramente, parece-me um filme para esquecer. Esquecer a história que parece «Os Cinco», embrulhado em celofane Tolkien, série-B. Esquecer os efeitos especiais, apenas satisfatórios. E esquecer um conjunto de actores, jovens e menos jovens cuja prestação é completamente aborrecida. O fauno de serviço e aquele guarda-fato cheio de visons e naftalina são as únicas coisas porque vale perder 2h de sono.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Há cinema a sério em Melgaço!

Ontem, tomei conhecimento e não pude crer na notícia: um francês reformado, de nome Jean-Loup Passek, apaixonou-se pela pacata e portuguesíssima Melgaço, e conseguiu convencer as autoridades locais a recuperarem uma casa antiga e ali abrirem um museu de cinema. Este francês, que organizou o festival de cinema de La Rochelle, e trabalhou no Centro Pompidou, tem um espólio bastante rico de objectos ligados à 7ª Arte, e é já meu amigo do peito, embora nem sequer suspeite que o é. Brevemente, pretende organizar um ciclo de cinema sobre as actrizes do Mudo. Não haverá mais nenhum francês como ele para investir em Lisboa, naquela magnífica pérola que é o cinema Odéon?!

Divertimento q.b. com Dick e Jane

«Fun with Dick and Jane» é uma comédia de Carey igual a uma resma de comédias de Carey. Nada de novo. Muito de velho. A única valia do filme é a prestação de Tea Leoni, e uma cena de antologia, em que Dick, Jane, o filho e o cão, totalmente falidos, tomam o seu duche matinal no repuxo da mangueira do vizinho, em plena via pública.

Um senhor automóvel perto de si

Sábado, Marginal, passeio dos tristes. Uma velha glória dos automóveis antigos no meu retrovisor: um Alvis imponentíssimo, resplandecendo de orgulho, no brilho da sua estampa, e nos bigodes retorcidos e nos cabelos lacados, do seu condutor e das suas acompanhantes, respectivamente. Será que vamos ter Alvis no novo e esperadíssimo filme de animação dos estúdios da Pixar, «Cars»?

Quando a guerra se fazia nas trincheiras

Embora «Joyëux Nöel» pareça à primeira vista um filme sobre a famigerada guerra de trincheiras da Grande Guerra (sub-género onde Kubrick foi decisivo com «Paths of Glory»), em que os pobres soldados, longe dos gabinetes de Lüdendorff ou Foch, combatiam de baioneta em riste e gás mostarda pela frente (independentemente da facção, como hoje já está provado), esta co-produção europeia aposta antes numa visão optimista e humanista da coisa. O homem, mesmo o soldado mais arrebatado e agressivo, tem sempre o seu lado bom à flor da pele, endémico, mas o que se passa é que quase nunca se nos revela, porque quase nunca se lhe dá essa oportunidade. E que melhor oportunidade do que o Natal?

Foi isso que pensaram três regimentos, um alemão, um francês e um escocês, que resolveram fazer tréguas durante a Consoada e comemorá-la como sendo irmãos de uma mesma família. E a música fez o resto. A música da gaita de foles, mas sobretudo a música feita canto de ópera. Claro que depois se levantou um problema imediato: um problema de indisciplina perante os superiores de gabinete. E ainda outro problema, mais perene: uma vez estabelecida uma relação de cordialidade, como recomeçar a guerra? E a guerra, para aqueles três regimentos passou a ser uma "guerra do Solnado", de consequências inevitáveis a todos os níveis.

Esse episódio, parcialmente verídico (que foi censurado durante décadas até que alguém descobriu a correspondência dos soldados), é do que trata «Joyëux Nöel», um filme que podia ser melhor, se não fosse tão novelesco (muito por culpa da música lamechas); mas que também poderia ser pior, não fora aquela magnífica encenação, digna dos melhores filmes de guerra de antanho, e aquela auto-crítica permanente, tão politicamente incorrecta.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Até já ...

Não fugi para os antípodas, estejam descansados ... o assunto tem sido este, que não me tem dado tempo para grandes brainstormings. Brevemente, a coisa compôr-se-á. Peço a todos um pouquinho de paciência...

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Qual o melhor filme de terror de sempre?

E não é que vem mesmo a calhar este filme para o meu segundo inquério, estudo de opinião, sondagem, o que lhe quiserem chamar. O meu género preferido é o terror. Considerado cinema de 2º escalão, ele é filão de incontáveis serões absorventes, pesadelos recorrentes e suores frios de masoquista inveterado.

Sempre quis saber o que pensam os amantes do cinema de terror acerca do filme a eleger como sendo o maior, o melhor de todos, do mudo ao sonoro, do preto e branco à cor. À cabeça vêm-me, por ordem alfabética e imediatamente, uns quantos filmes, demais até: "A Nightmare on Elm Street" (de Wes Craven, 1984),
"Alien" (de Ridley Scott, 1979), "Cat People" (de Jacques Tourneur, 1942), "Das Kabinett des Doktor Caligari" (de Robert Wiene, 1920), "Dementia 13" (de Coppola, 1963), "Der Golem" (de Paul Wegener, 1915), "Dracula" (de Browning, 1931), "Dracula" (de Coppola, 1992), "Frankenstein" (de James Whale, 1931), "Freaks", (de Browning, 1932), "Halloween" (de John Carpenter, 1978), The Haunting" (de Robert Wise, 1963), "Häxan" (de Benjamin Christensen, 1922), "Hellraiser" (de Clive Barker, 1987), "Jeepers Creepers" (de Victor Salva, 2001), "Night of the Living Dead" (de Romero, 1968), "Nosferatu" (de Murnau, 1922), "Rosemary's Baby" (de Polanski, 1968), "The Blair Witch Project" (de Myrick & Sánchez, 1999), "The Brood" (de Cronenberg, 1979), "The Exorcist" (de William Friedkin, 1973), "The Evil Dead" (de Sam Raimi, 1981), "The Fog" (de Carpenter, 1980), "The Howling" (de Joe Dante, 1981), "The Old Dark House" (de Whale, 1932), "The Phantom of the Opera" (de Julian, 1925), "The Shining" (de Kubrick, 1980), "The Texas Chainssaw Massacre" (de Tobe Hooper, 1974), "The Thing" (de Carpenter, 1982), "Vampyr" (de Dreyer, 1932),

Daí a minha pergunta aqui ao lado (sabendo de antemão que não posso ultrapassar o número máximo de 20 opções): qual é o melhor filme de terror de sempre?

A Descida é sempre a subir!!

«The Descent» é, antes de mais, o melhor filme de terror que vi desde «Jeepers Creepers». É um filme de terror sóbrio, sem dar azo a risinhos histéricos, ou margem para trepideira de pipocas. É também um filme não aconselhável a aspirantes a espeleólogos.

É certo que neste filme se fundem claramente dois tipos de filmes: o da aventura radical com maus resultados, ao melhor jeito de «Deliverance», e o filme de criaturas desconhecidas que nos perseguem por corredores claustrofóbicos, ao não menos jeito de «The Blair Witch Project» ou «Alien». Mas o grande trunfo deste filme é mesmo a sua realização: sufocante e de ritmo imparável.

Tem ainda duas particularidades extra: o sexo fraco vira sexo forte, quando é preciso, e no filme os homens são infra-homens abjectas, criaturas das profundezas, tão agressivas quanto cegas e fisicamente débeis, passíveis mesmo de serem perfuradas com os dedos!

Cavaleiro de Sua Majestade!

Tom Jones acabou o ano sendo nomeado Knight. Desde criança que admiro este galês de mil fôlegos, altura em que o via no seu show que a RTP de antanho costumava emitir. Tim Burton prestou-lhe justa homenagem em "Mars Attacks!". Não consigo deixar de me abanar quando ouço

"It's not unusual to be loved by anyone,
It's not unusual to have fun with anyone,
But when I see you hanging about with anyone
It's not unusual to see me cry, I wanna die

It's not unusual to go out at any time,
But when I see you out and about it's just a crime,
If you should ever wanna be loved by anyone,
It's not unusual, it happens every day,
No matter what you say
You'll find it happens all the time.

Love will never do, what you want it to
Why can't this crazy love be mine.

It's not unusual to be mad with anyone,
It's not unusual to be sad with anyone
But if I ever find that you've changed at any time
It's not unusual, to find that I'm in love with you
Woh woh woh woh
Yeah yeah yeah yeah
"

terça-feira, janeiro 03, 2006

Conversa surreal entre duas amigas correndo entre metros:

- Fui ver ontem o "Flores Partidas". Não percebi nada. Afinal, o filho era de quem?
- Pois eu também fiquei sem saber.
- E já foste ver a "Alice"?
- Não.
- É um filme calmo, com uma banda sonora muito boa. Do Bernardo Sassetti. Sabes, o marido da Batarda? Só teclas.
- Ah! Só teclas. Dantes havia um outro, inglês (alusão errónea a Jean-Michel Jarre, creio), que fazia muito sucesso só com isso. E tu, já viste "O Homem Elefante"?
- Não, porque será que toda a gente já viu esse filme e eu não?

Afinal, quem acham ter sido a raínha do cinema mudo?

Uma vez chegados a 2006 há que acabar com a sondagem sobre "Qual a maior actriz do Mudo?", que contou com a participação de 34 milhões de votantes (o que julgo ser um recorde absoluto em termos de participação cinéfila na Net!). Bom, e os resultados falam por si: Louise Brooks foi eleita a raínha do Mudo, superando Gloria Swanson, em 4 milhões de votos, e Lillian Gish e Pickford, em 6. Compreendo perfeitamente o resultado, mas eu teria escolhido sempre Brigitte Helm. Lá terei as minhas razões...

I haven't had a gun in my hands for many, many years. My eyes aren't what they used to be, even with the glasses. My hands shake

And I wouldn't want to miss.



Farias hoje 97 anos, nesta data em que perfazem 6 anos e 3 meses de eterna saudade. De entre todos os teus amigos da tela, de entre Bertini a Negri, de Brando a Mitchum, escolhi esta frase de De Niro, em um dos teus preferidos de sempre: "Once Upon a Time in America" (1984). Um imenso beijinho.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Entrar-se com o pé "direito" em 2006 é ...

... sair-se, de um lado, do meio de um enormíssimo bando de gralhas extremeñas, tal qual "The Birds", e entrar-se noutro, aterrando no meio de cinco figurinhas indignas de Walt Disney ou Max Fleischer, que acumulam banalidades e saliva aos cantos da boca, ou dançam com as varinas da Nazaré. Triste prelúdio.