terça-feira, outubro 29, 2013

Filmes em revista sumária #423


Desenganem-se todos quantos crêem que, finalmente, «2001-Odisseia no Espaço» encontrou o fiel depositário: é que daqui por poucos anos já ninguém se lembrará deste «Gravidade», a não ser porque terá sido esta a primeira vez que um filme de ficção científica nos pregou a todos um susto até agora apenas do domínio do subconsciente: a verdadeira claustrofobia de um passeio pelo espaço não estará tanto no isolamento decorrente do passeante se encontrar em pleno infinito, nem pela ensurdecedora ausência do som mas, tão só, no perigo de se ficar sem oxigénio de um momento para o outro.

Tecnicamente falando, este «Gravidade» é topo de gama, em especial no que toca aos seus efeitos especiais visuais (não tanto aos sonoros), que o musculam com o necessário lado sério, ‘científico’. Contudo, ele há um tom de brincadeira geral, de ‘estava-se a ver’ e de americanice pegada de que nunca consegue libertar-se (as deixas e as expressões de Clooney também não ajudam muito, é verdade), nem mesmo quando, Sandra Bullock (ou será o seu avatar?), depois de escapar ilesa a tudo e a mais alguma coisa (saltando inclusive entre estações espaciais como se jogasse à macaca), soergue-se da lama e, imprevisível (aleluia), fá-lo pesadamente, resumindo em 3-4 pequenos passos (charge a Neil Armstrong?) toda a ‘evolução da espécie’, naquele que é o momento simbólico mais bem conseguido de todo o filme.

Duas grandes constatações em «Gravidade»: a Terra, de facto, vista do espaço é a melhor de todas as vistas, e nesse particular o mexicano Alfonso Cuarón está de parabéns; «Gravidade» cairá que nem ginjas no cerimonial dos Óscares deste ano, marcado por uma particular crise de auto-estima. Uma pergunta indiscreta: alguém percebeu o que Sandra Bullock estava a reparar no braço do telescópio enquanto Clooney nos ia distraindo orbitando em sua (nossa) volta? Não? Pois.

Um NB à atenção dos publicitários da 3D e do IMAX: regra geral, apenas vejo filmes a 2D, também assim foi desta vez.


In O Diabo (29.10.2013)

segunda-feira, outubro 28, 2013

There are always consequences.

«The Box» (2009), de Richard Donnie Darko Kelly, com Frank Langella e Cameron Diaz, uma boa surpresa que o canal Hollywood resolveu dar ontem a todos nós, tv dependentes. Bem haja!

Filmes em revista sumária #422


Previsibilidade e muita ponta solta, com falhas de argumento à mistura (será que nem todas as cenas filmas estão presentes na montagem final?), muitos pormenores que não são de somenos (veja-se, por exemplo, a péssima caracterização de Melissa Leo, que a torna imediatamente suspeita aos olhos do mais incauto dos espectadores), indescritíveis más prestações dos actores (a começar, compreensivelmente, por Hugh Jackman, que se dá mal com papéis sérios e a quem alguém deve ter dito para gritar, ameaçar e esmurrar como se fosse Wolverine, que seria meio caminho para o Óscar…), excluindo-se desse lote Jake Gyllenhaal e Paul Dano, de facto dois actores extraordinários (que seria do filme sem eles?) mas incluindo-se outras tantas incompreensíveis sub-prestações de Terrence Howard e Maria Bello), salvos, todos, aqui e acolá, por enquadramentos de bom gosto, soluções narrativas inventivas e aqueles imensos globos oculares de Gyllenhaal. Eis no que se resume «Prisoners» (e não «Raptadas» como o título português engana, pois são vários os prisioneiros do filme, de facto e sobre vários prismas), do esforçado e canadiano Denis Villeneuve (algum parentesco com pai e filho pilotos?).

quinta-feira, outubro 24, 2013

Genius Welles, por Cecil Beaton:


Filmes em revista sumária #421


Abbas Kiarostami por terras do Sol nascente é obra, dirão quase todos, e realmente assim é com «Like Someone in Love», que bem que podia ser realizado por um nipónico (Ozu?), que ninguém veria a diferença. Puro engano, por sua vez, aquele que levar o espectador a pensar que está apenas perante as peripécias resultantes de um ‘serviço’ de uma juvenil prostituta (ela não teria sempre aquele sono oportuno?) a um velho professor (ele não quereria apenas jantar com ela e vê-la dormir?); isso será puro defeito de pré-formação ocidental. Aqui estamos no Japão das gueixas (que estão longe de vender sexo, como se sabe) e dos velhos que se deixam morrer junto a uma jovem só para aspirarem, textualmente, alguma da juventude irremediavelmente perdida, e que Kawabata tão bem descreve em «A Casa das Belas Adormecidas», por exemplo.

É disso que trata este filme, de um Japão que subsiste apesar da americanização do sistema, de que Ella funciona como o hitchcokiano MacGuffin. E, depois, há toda aquela maneira muito própria e bela (e bem conseguida) de Kiarostami nos dar a acção das personagens principais com estas ausentes do campo visual para gradualmente ocuparem toda a objectiva, que se vai adivinhando em pequenos detalhes (visuais e auditivos) de terceiros elementos: os ruídos da rua, os vidros que filtram a imagem, etc. Isso e aquele ritmo pausado, de quem conhece o desfecho como inevitável, humor negro. Puro orientalismo.

quarta-feira, outubro 23, 2013

Cool Walken, por Marco Grob:


Filmes em revista sumária #420


Ben Mendelsohn é o verdadeiro rei da selva deste «Reino Animal» australiano, de David Michôd, e vale metade do filme, está um senhor actor. E valeria quase toda a outra metade não fora Jackie Weaver, por um lado, no papel da sua bloody mama e dos seus irmãozinhos ladrões-assassinos, a que um Guy Pearce (numa interpretação contida e sóbria) lhes dá guerra sem quartel. Um filme de actores, essencialmente, em que pelo meio passa uma intriga que cola q.b., talvez por ser déjà vue (os polícias são tão beras quantos os ladrões, etc., etc.), ainda que rodada com registo pausado mas ao mesmo tempo de imensa tensão dramática. Next.

terça-feira, outubro 22, 2013

Filmes em revista sumária #419


Sejamos honestos: sem a presença tutelar de Salman Rushdie, o autor dos celebérrimos versículos satânicos que lhe mereceram mais do que qualquer prémio, a ira de Khomeini, este «Os Filhos da Meia-Noite» não mereceria muita atenção para lá da que mereciam habitualmente os muitos filmes de Bollywood que por cá foram sendo exibidos compulsivamente pelos idos de finais de 70, em especial no saudoso Eden, ali pelos Restauradores, em Lisboa.

Com efeito, metade da riqueza deste filme nostálgico e feérico, realizado por Deepa Mehta e que faz uma analogia imaginativa entre dois ‘irmãos’ que nunca o foram, trocados mas ajuntados por amor à ‘revolução’, e dois países consanguíneos, Índia e Paquistão, separados de forma contra-natura, afinal de contas, por entre peripécias e curiosidades históricas (fica-se a saber, por ex., que Indira não foi nenhuma pêra doce…); reside não tanto no argumento de cariz literário mas sobretudo na narração, ditada em voz off pelo próprio Rushdie, aliás.

A outra metade são cores, belas paisagens e muita música e canções; umas, as primeiras, mais do que as outras, as últimas quase sempre intermináveis. Há alguns bons momentos dramáticos de uma sensibilidade muito particular, como os daquelas espantosas cenas protagonizadas pelo clínico, quer nos delirantes diálogos que vai levando com o pai da paciente, quer nos do namoro que dá em casamento, deslumbrado que está (ele e nós) a partir dos buraquinhos de uma cortina que apenas permitem mirar e apalpar parte e fazem adivinhar o resto.

No resto, há muito cliché e muita pirotecnia a roçar o kitsch, como é hábito nestes filmes, sendo que o interesse decai bastante à medida que os ‘irmãos’ vão crescendo e tornando-se homens, talvez porque os actores deixem bastante a desejar nunca passando do registo foto-novelesco. Seja como for, a sua presença entre nós é uma verdadeira ‘lança em África’ da distribuição e exibição em Portugal.


In O Diabo (22.10.2013)

terça-feira, outubro 15, 2013

Filmes em revista sumária #418


Pelos idos de 70, quando os homens ainda valiam mais do que as máquinas, haveria de passar pela F1 aquele que talvez tenha sido o melhor lote de pilotos de sempre: Stewart, Lauda, Fitipaldi, Petersson, Ickx, Cévert, Revson, Hulme, Surtees, … Hunt. Também as máquinas (Ferrari, JPS Lotus, Tyrrel, McLaren, BRM, Brabham, Lola, etc.) se equiparavam entre si e tanto podia ganhar uma como outra. Porém, estava-se longe da segurança dos actuais cockpits, não havia época sem mortes na pista. Nessa década houve uma época particularmente memorável, a de 1976: um acidente inexplicável quase vitimava Lauda (a sua fibra, contudo, levá-lo-ia a contornar a extrema-unção que lhe foi administrada, a devolver-lhe as pistas pouco mais de 1 mês após o acidente, e o 1º lugar do pódio em 77), desfigurando-o para sempre e relançando o playboy Hunt na corrida ao título desse ano, feito que alcançou por entre a chuva torrencial do Monte Fuji e peripécias várias. Pouco já importa, fez-se história. É disso que trata «Rush», e por aqui ficámos a saber que Ron Howard tem efectivamente bom gosto.

A acção engole o espectador ininterruptamente. Projecta-o nas boxes e no paddock. Senta-o ao comando irrecusável de máquinas verdadeiramente voadoras, às rédeas do incomparável cavallino rampante. Não há calmante que resista a tanta adrenalina e ratés. Howard, diga-se, nunca esteve tão bem: a câmara não pára, os planos são curtos e rápidos, os ângulos irrespiráveis. Mas Hans Zimmer, talvez o mais empolgante compositor de bandas sonoras para filmes de acção (Silvestri já foi…) também tem muita ‘culpa’, ele e aqueles carros assombrosos de uma época irrepetível.

Pode-se não gostar de filmes sobre corridas de automóveis mas duvido que haja quem não goste de «Rush». Até agora havia, basicamente, dois marcos: «Le Mans», para os protótipos e com McQueen, e «Grand Prix», de Frankenheimer, para a F1, um filme tão ingénuo quanto credível (os actores foram dobrados por pilotos de verdade). Ron Howard entrou directamente para o 1º lugar do pódio, graças a tudo e também a um enredo extra-circuito que, por contraponto aos seus congéneres do passado, completa na perfeição o lado efusivo do filme, dando-lhe uma invejável compleição dramática. E Daniel Brühl está um verdadeiro Nikki!


In O Diabo (15.10.2013)

quinta-feira, outubro 10, 2013

Era uma vez no ... Quarteto


Well, you're about the last of your kind, old man.
If I was a better businessman than I am a man hunter, I'd put you in the circus
. («The Missouri Breaks», 1976)

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terça-feira, outubro 08, 2013

Filmes em revista sumária #417


«Como Um Trovão» (tradução estapafúrdia mas em sintonia com a ‘tradição’ das nossas luminárias), de Derek Cianfrance, marca o encontro por breves segundos entre, quiçá, as duas maiores estrelas masculinas do atual cinema norte-americano, Ryan Gosling e Bradley Cooper, ainda que o primeiro seja canadiano e uma coisa é ser-se estrela outra bem diferente é ser-se actor de primeira água, e neste particular o epíteto cair muito melhor ao segundo, é um facto. Outro facto indesmentível é: cabe a Eva Mendes (a do anúncio da Vodafone, lembram-se?) e não aos rapazes de serviço, meter o filme no bolso. Avante.

No rescaldo deste filme intensíssimo, que vai encadeando progressivamente as personagens num drama irrevogável e tripartido - o ladrão (acrobata destemido sem eira nem beira), o polícia (filho de papá, que se quer afirmar por si próprio) e os filhos de ambos (fruto das circunstâncias e, afinal de contas, o verdadeiro leit motiv do enredo) - a imagem-choque que fica é a daquele belíssimo plongée, com o primeiro estatelado de costas no passeio e a poça de sangue sob o crânio a crescer. O olhar fixo, a expiação. Um pouco de nós esvai-se com Gosling. A partir daí será a outra face da mesma moeda, com Cooper a desenvencilhar-se de uma teia tremenda, entre os internal affairs e o sentimento de culpa, ambos a puxarem-no para baixo. Só algures, naquele local para lá dos pinheiros, onde tudo é terrivelmente verde e a música nunca foi tão bela, é que tudo se resolverá. Com os filhos tornados protagonistas, contudo, o filme liberta-se da teia mas cai a pique, num déjà vu como com os pais de verdade. Inevitável.

Do ponto de vista cinematográfico, «Como Um Trovão» também é tripartido: Cianfrance mostra que sabe ‘explorar’ os actores. A fotografia é especialmente virtuosa, feita de cores saturadas, sufocantes, grandes-planos nos rostos de Rosling e de Cooper, as fugas de moto, a perseguição policial e o desfecho na casa sequestrada. Terceiro: a música e que música! No resto é a quadra: «com três letrinhas apenas se escreve a palavra mãe, que é das palavras pequenas a maior que o mundo tem.


In O Diabo (8.10.2013)

sexta-feira, outubro 04, 2013

Filmes em revista sumária #416


Liberace, «Por Detrás do Candelabro» e de tudo o mais, era um pianista exímio, aliás perfeitamente descrito pela sua própria celebérrima auto-citação: «Liberace is no Rubinstein, but then, neither is Rubinstein any Liberace». Foi, de certa maneira, um potencial virtuoso do circuito clássico que se perdeu para os salões de Las Vegas e do entertainment (Liberace foi mesmo presença assídua da nossa saudosa RTP, no tempo em que esta dedicava serões às figuras mais relevantes do showbiz, como ele próprio, Tom Jones, Liza Minneli, Siegfried & Roy, etc.).

Soderbergh lembrou-se dele e lembrou bem já que esta personagem exuberante (só possível nos fabulosos anos 70, aliás) estava por demais esquecida, lá pelos idos das lantejoulas e dos saltos altos, pelos arquivos de TV e pela lista negra das celebridades mortas pela SIDA. Pena que os estúdios cinematográficos tenham bloqueado este bio pic. Ainda bem que há uma cadeia televisiva chamada HBO. Além do mais, é raro o filme que sai furado a Soderbergh e este está claramente no lote dos bons filmes do autor de «Sexo, Mentira e Vídeos».

Nas extravaganzas e nos episódios conhecidos do grande público (e os que nunca o foram…), no ambiente de época, na história de amor (que o é…), na câmara e na montagem de Soderbergh, na escolha dos trechos musicais. No resto, Michael Douglas está p-e-r-f-e-i-t-o na personagem e Matt Damon não podia ser melhor.

terça-feira, outubro 01, 2013

Giuliano Gemma (1938-2013)


E pronto, por causa de um estúpido acidente de carro, eis que morre Montgomery Wood, o actor-escultor de «Um Dólar Furado» e um dos heróis (bonzinhos) dos western spaghetti que mais passou pelos écrans do Éden e do Odéon, por sinal.

Filmes em revista sumária #415


Em «A Evocação», James Wan, autor do escabroso e sanguinolento «Saw» ,mais respectiva prole, resolveu meter-se pelo domínio dos possuídos e dos exorcismos e das histórias mais ou menos ‘verdadeiras’, só possíveis, claro, por terras do Tio Sam (where else?). Decidiu mesmo tocar a rebate e reunir sob um só tecto quase todos os (nossos) piores (e por demais evocados no grande écran) pesadelos, em casa assombrada que se preze.

Vai daí juntou as conjuras de uma das históricas bruxas de Salém aos terríveis e revoltados espíritos de vítimas inocentes, à cave escura (aqui poupou-se no sótão) e aos ‘por detrás da porta’ e por debaixo da cama, aos seres que só uns quantos predestinados vêem, às escadas que anseiam por que alguém nelas se estatele, ao guarda-fato que comunica invariavelmente com outro mundo, aos brinquedos que insolitamente ganham vida, aos inexplicáveis barulhos vindos do alpendre, aos compartimentos secretos por entre paredes, aos demónios que nos recalcam, etc., etc.

O curioso é que Wan está aqui muito mais contido e a coisa corre-lhe indubitavelmente pelo melhor, a ‘misturada’ funciona, pelo que lhe estamos muito agradecidos: o sangue já não jorra a rodos, o explícito foi substituído pelo implícito e até as mutilações anatómicas foram substituídas por sugestivas nódoas negras. E há bons actores no elenco, cujas prestações são claramente uma mais-valia para o filme, credibilizando-o: Vera Farmiga, que domina todas as cenas onde entra com uma fragilidade impressionante, e Lili Taylor, que dá realmente cartas enquanto variação de Regan. Como assim, a história cola, o filme assusta q.b., a música ajuda e a casa não podia ser melhor.

Contudo, nesta coisa de filme de assombrações, mesmo que ‘comprovadamente verídicas’ o melhor mesmo é fazer como São Tomé, ver para crer …no Casal Warren, que é como quem diz: gostava de ter sido mosca pelos idos de 60 ali pela zona de Rhode Island.


In O Diabo (1.10.2013)