segunda-feira, dezembro 30, 2013

Filmes em revista sumária #432


«O Grande Mestre» começa por ser uma homenagem justíssima de Wong Kar-wai ao inesquecível Bruce Lee, por ocasião dos 40 anos (!) sobre a sua morte, celebrando aquele mas por via da história do seu mestre de wing-chun, Ip Man, por certo uma personagem quase desconhecida da generalidade dos espectadores mais distraídos destas coisas das artes marciais, grupo no qual, aliás, o escriba se inclui.

O autor de «In the Mood for Love» ‘cavalga’, assim, a onda recente dos filmes de artes marciais, pisca o olho a Hollywood e aos Óscares, presenteando-nos com mais um ‘art movie’ de encher o olho e pedir por uma sequela.

A história à volta do mestre de Lee será verdadeira q.b., mas isso também pouco importa, contas feitas. O que interessa é a alma chinesa dos anos de Chiang Kai-shek e da ocupação japonesa, a dos bordéis e das casas de ópio, das artes marciais como refúgio de incorrupção. Wong Kar-wai resiste à violência gratuita e não há mesmo um único plano com sangue a jorrar abundantemente, nem gritos histéricos sequer a acompanhar os golpes de mãos e pés. Haverá pouca secura narrativa à Lee, mas há muito e bom Wong Kar-wai.

Estamos no campo do detalhe. Dos grandes-planos. Dos olhares entre duelistas. Das sapatilhas de cetim que permitem combater bailando. Dos pingos de chuva que trespassam como balas. Dos novelos de fumo e dos rostos maquilhados de faiança. Muito deste filme, inclusive, é para adivinhar, desde logo o erotismo nos bordéis e nas casas de ópio. Tudo é contemplativo, uma espécie de Leone em mandarim (veja-se a colagem sintomática a «Era Uma Vez na América»). Os ‘décors’, as cores, a noite, a música e …Tony Leung fazem o resto.

Dito isto, Wong Kar-wai continua igual a si próprio e a gerência agradece.


In O Diabo (30.12.2013)

segunda-feira, dezembro 23, 2013

Filmes em revista sumária #431


«Casablanca» está de volta aos cinemas!

Sim, é verdade, está de volta aquele filme já muito velho, com setenta anos, filmado ainda a preto e branco, que até já foi colorizado, passado, basicamente, num café de Marrocos, durante uma tal de 2ª Guerra Mundial, em que as personagens passam a vida a fumar, a beber e a jogar, e os protagonistas a chorar sempre que ouvem um pianista negro tocar e cantar «As Time Goes By», que acaba com o chefão dos nazis morto a tiro e o herói da resistência a voar para Lisboa, para chefiar a luta pela Liberdade, e que as televisões gostavam de emitir ‘ad nauseam’.

Ironias à parte, o imortal filme, de Curtis e com Bogie e a Bergman, está de volta e graças a um punhado de entusiastas dos velhos clássicos (acham, e bem, que os filmes do ‘antigamente’ são para serem vistos no cinema), no âmbito de uma parceria (privada para uso do público) em boa hora desenvolvida pela Columbia TriStar Warner e os cinemas UCI EL Corte Inglés, passe a publicidade.

Demos graças a isso e voltemos por 100 minutos àquele ‘casbah’ inesquecível e àqueles actores impressionantes: às expressões e à voz de Bogart (e que actor gigante ele se torna no grande ‘écran’!) e aos olhos da radiosa Ingrid Bergman, mas também àquela superlativa galeria de secundários, encabeçada pelo insinuante Rains, o chacal Veidt, o corrupto bonacheirão Greenstreet e o traiçoeiro Lorre, mais outros tantos talentos em pequenos papéis impagáveis (o criado, o ‘barman’, o ‘croupier’, o carteirista, o casal de turistas na esplanada, o par de velhos emigrantes alemães).

Celebre-se, pois, enquanto dura, o regresso daquele que pode não ser, e não é, o mais perfeito dos filmes, mas que é forçosamente um dos mais belos filmes de sempre, quiçá, mesmo, o filme que resume em hora e meia e em apenas numa palavra tudo quanto é Cinema: romance!


In O Diabo (23.12.2013)

sábado, dezembro 21, 2013

Feliz Natal!


terça-feira, dezembro 17, 2013

Filmes em revista sumária #430


«Oldboy» de Park Chan-wook à parte (chega até a ser insultuosa a colagem...), este filme de Spike Lee (é mesmo?!) vive sobretudo de uma força da natureza chamada Josh Brolin (decididamente, um novo Nolte) e de alguns momentos bem conseguidos, como sejam a fabulosa sequência imediatamente pré-rapto (os planos da câmara, as imagens 'febris', etc.) e a batalha mortífera ao ralenti, com Brolin jr. de martelo na mão a bater e estropiar em tudo quanto é gente. Tudo o mais é bocejo, até mesmo a' vida aos quadradinhos', passada que é a fase da surpresa.

segunda-feira, dezembro 16, 2013

Obituário: Peter O' Toole (1932-2013)


É verdade que o autor de «Os Sete Pilares da Sabedoria» deve parte da sua imortalidade àquele O' Toole perfeito que David Lean nos ofereceu, lançando-o num filmaço chamado «Lawrence of Arabia», mas é injusto esquecermos «Lord Jim» e «The Lion in the Winter», dois outros títulos em que o actor está soberbo; ele que foi, aliás e para mal dos nossos pecados, um actor de teatro fora de série. Destes, dos que merecem passar de facto pelo Grande écran, já não se fazem, não senhor, e cada vez há menos.

domingo, dezembro 15, 2013

Obituário: Joan Fontaine (1917-2013)


Joan Fontaine, tal como a irmã, Oliva de Havilland, é/foi rosto indissociável de um sem-número de filmes 'incontornáveis' da História do Cinema, mas acho que nunca foi tão serenamente bela, frágil e simples como em «Rebecca»; uma personagem que, paradoxalmente, não era assumida na primeira pessoa. E «Last night I dreamt I went to Manderley again», a mais imortal das frases que haveria de nos deixar a todos.

sexta-feira, dezembro 13, 2013

Mr. Choo Choo, algures no Oeste, entre Leone ...


Breslau, o Sena e o Entroncamento. Obrigado, MJT!

terça-feira, dezembro 10, 2013

Filmes em revista sumária #429


Não será fácil, mas até perigoso, falar, ou melhor, tentar falar ou escrever sobre «2001, Odisseia no Espaço». Trata-se de um daqueles filmes que cada qual interpreta à sua maneira, consoante o experimenta em experiência visual e sensorial muito e só sua. Além disso, milhões de caracteres já terão sido escritos sobre ele. Aliás, como o próprio demiurgo Kubrick enunciaria amiúde, «You're free to speculate as you wish, about the philosophical and allegorical meaning of 2001».

Não especularei, portanto, acerca do enigma omnipresente, nem do monólito que do espaço cai por mão alienígena (Deus?) no planeta então dos macacos, permitindo-lhes, pela dádiva da inteligência, a argúcia e o engenho de, através de um simples raccord (o mais famoso da história do cinema?) de milhões de anos, viajar de um osso-arma na alvorada do homem a uma valsa galáctica algures entre a Terra e Júpiter. Muito menos irei especular sobre o reencontro do homem com o Homem, no grande final, para lá das cores e da luz, no Infinito.

Cingir-me-ei à beleza e à poesia de «2001, Odisseia no Espaço» e à experiência inolvidável que é voltar a vê-lo, cinema bigger-than-life, no grande écran, mesmo que sem respeitar o esmero obsessivo de Kubrick quanto às condições de exibição em sala (assim não fosse e talvez só se pudesse exibir no São Jorge a reprise actualmente em exibição em Lisboa); ao melhor filme de ficção científica de sempre (não será ele a própria sci-fi?) e a um dos melhores filmes jamais feitos, a par de «Citizen Kane», «E Tudo o Vento Levou» e «Casablanca», só para falar dos mais óbvios. E àquela técnica state-of-the-art , até hoje inultrapassável mas sempre decalcada. A HAL, talvez o mais ‘actor’ de todos. E Kubrick, que através de «2001» fez tanto por Nietzsche quanto por Richard Strauss, pela matemática e pelo xadrez.

«Open the pod bay doors, HAL».


In O Diabo (10.12.2013)

Obituário: Eleanor Parker (1922-2013)



Sempre elegante e fotogénica, Eleanor Parker passou por todo o tipo de filme, da espionagem à 'coboiada', do musical ao filme negro, das aventuras de capa e espada ao dramalhão mais piegas, mas para mim será sempre a mulher do atormentado Kirk Douglas de «Detective Story», de Wyler; ironicamente, Eleanor Parker morreu no mesmíssimo dia em que aquele fez anos…

You used to have a pretty good build, y'know? You did! Now you're starting to look like a - an egg!


E lá vai Teri Garr desarvorada, com malas e bagagem, 'rumo' a Bora-Bora.
Um dos mais belos filmes de sempre, um dos maiores de Coppola, passado na véspera do 4 de Julho (só podia), pelo meio de néons e planos ousados, acompanhados ao piano e voz de Waits:
Um prodígio de encenação. Faz falta uma reprise destas!

terça-feira, dezembro 03, 2013

Filmes em revista sumária #428


É verdade que Ridley Scott nunca ousou tanto em termos de sexualidade (mais linguagem do que outra coisa) como neste «Conselheiro»: da cena de abertura ao garrote que degola Pitt, das caçadas do casal de chitas à «chita» Diaz; mas a verdade é que o filme não passa disso. E do tradicional bom gosto nos décors e indumentárias que o autor de «The Duellists» nunca esquece e faz por que não o esqueçam. O resto é mau de mais para ser verdade, mas é: um chorrilho de disparates filosóficos chamados diálogos (?) – Ruben Blades bate os demais…-, personagens aparvalhadas (que fazem Bardem e Pitt, vestem Versace e Armani?), um argumento oportunista, cenas descabidas, etc. Fassbender anda perdido e subaproveitado, a tatuada Diaz (piscar de olhos a «Blade Runner»?) faz o que pode e Pé rouba todos os outros nos breves momentos em que aparece. Em suma, falando da fronteira americana mexicana, vale mais um episódio da série televisiva «The Bridge» do que os insuportáveis 120’ do último filme de Ridley. Bons momentos: o assalto ao camião traficante e a execução do mediador (do quê?) Pitt.


In O Diabo (3.12.2013)

Filmes em revista sumária #427


Não é qualquer um que sabe como manter o espectador pregado ao grande écran durante hora e meia, ininterruptamente, com apenas dois actores em campo (pas de deux), encerrados numa pequena sala de teatro (huis clos), sem ponto e num perigoso jogo de sedução, a partir da mítica obra de Sacher-Masoch (vale a pena a edição Livros do Brasil…). Polanski consegue-o em «Vénus de Vison». Conseguira-o em «O Deus da Carnificina» mas agora, reduzindo o elenco a metade, nos mesmos m2 de palco e nos mesmos 90’, acabou por dobrar o risco de flop, que só não aconteceu na parte final desta charge imaginativa (épatante, por vezes) ao ‘sou, não sou, podia ter sido se não fosse’, quando a encenação redundou num travesti grotesco desnecessário; graças à excelência com que dirige os actores (Malric é sempre soberbo mas Emmanuelle Seigner sem Polanski…), e, claro, aos acutilantes diálogos que vão brotando daqueles, compulsivamente inspirados em Masoch. Porque aquele volte-face tonto podia ter dado cabo de tudo o resto daquele sedutor teatro filmado, em fio-da-navalha, que é acompanhado ao piano por uma belíssima música de Alexandre Desplat (lembra Ligeti). Um ensaio sobre um outro ensaio, que decorre num teatro fictício numa Paris deserta e maravilhosamente húmida.


In O Diabo (3.12.2013)