terça-feira, março 25, 2014

Filmes em revista sumária #446


No rescaldo de «Uma Longa Viagem» a sensação que fica no ar é que tudo ou quase tudo correu mal ao australiano Jonathan Teplitzky com a adaptação ao cinema da autobiografia de Eric Lomax, um oficial e engenheiro de comunicações escocês, «maluquinho por comboios», que sofreu as passinhas enquanto prisioneiro de guerra do Japão em 1942, em Singapura, primeiro, e num campo de trabalhos forçados na Tailândia ocupada, depois; torturado que foi estupidamente nos intervalos de escravo ao serviço da construção do que viria a ficar conhecido por «Death Railway».

Desde logo, correu-lhe mal a tradução (mal-amanhada) do original «The Railway»: porquê uma longa viagem? Se é coisa que corre rapidamente no filme são os comboios e as viagens que o protagonista empreende, cá e lá. E a montagem, antes e depois da Guerra, prima também por «flashes» rápidos, algo trapalhões, como que em sintonia com a evolução histórica, por exemplo, por que passou a Birmânia, que virou Myanmar em 1989, mas que afinal de contas é hoje apenas Burma. Correu-lhe mal também o duplo pressuposto de que uma boa história verídica (e é muito boa a moral da história…) vale mais do que um bom argumentista, ou de que um par de actores de primeira água é certificado de qualidade mais do que suficiente para um filme. Um filme em contradição, também, centrado numa contradição factual: a de que os cerca de 400km de «carris do inferno» entre a Tailândia e a Birmânia são hoje um pólo turístico muito conhecido.

Restam-nos a fortíssima interpretação de Hiroyuki Sanada e, a espaços, a de Colin Firth, já que a de Nicole é quase zero (aliás, ela parece já não existir no meio de tanta plástica…). E o reforço do que já se sabia: Rio Kwai só há um, o de David Lean e Alec Guinness e mais nenhum.


In O Diabo (25.3.2014)

terça-feira, março 18, 2014

Publicidade (definitivamente) não enganosa:


Filmes em revista sumária #445


Enquanto variante militarizada da série «Rat Pack», em boa hora recuperada por Soderbergh e amigos, de «Os Caçadores de Tesouros» apenas decorre como atractivo especial, para lá das estrelas de cinema que lhe dão corpo, a história ser verdadeira, ou perto disso. No resto é um rol de patuscadas, mais ou menos (mal) conseguidas, desempenhadas por actores bem conhecidos, em personagens bastante simpáticas (umas são mesmo apenas isso - Jean Dujardin só sabe rir, certo?), pelo meio de tiradas humorísticas e muita «acção», mas infelizmente sem o mínimo de cimento exigível para colar personagens e narrativa, não poucas vezes atabalhoada.

O plano de açambarcamento de um sem-número de obras de arte (alguém soube até hoje quantas foram?) a que Goering deu corpo no final da 2ª Guerra Mundial (nada que não tivesse sido feito antes por outros, poucos séculos antes, ainda que em menor dimensão, e nada certamente que não fosse copiado logo ali pelos soldados russos, com igual estratégia e fito), e para as quais algumas minas serviriam de esconderijo à moda de gruta de Ali-Babá; e a missão oficial de resgate e salvaguarda daquelas a que um oficial americano se lançou (com o necessário acordo de Roosevelt), pareciam ser garantia mais do que suficiente para que «Os Caçadores de Tesouros» fossem coisa bem melhor do que são: um filme de aventuras fraquinho (de guerra e acção é melhor nem falar), que nunca descola de um registo cómico e estereotipado desconcertante e que desperdiça o potencial (verídico) atrás referido.

Ou seja, Clooney não teve claramente unhas para tocar esta guitarra, e tinha valido mais se tivesse convencido o amigo Soderbergh (para já não falar em Spierlberg…) a ser o realizador em vez dele. Valham-nos algumas personagens (a de Bill Murray à cabeça), alguns cenários e peripécias, e saber-se que havia gente (ainda haverá?) como Donald Jeffries (excelente desempenho de Hugh Bonneville), disposta a morrer por uma obra de arte…

Kate Winslett, uma Estrela no Passeio da Fama


terça-feira, março 11, 2014

Filmes em revista sumária #444


O Nebraska é um dos estados mais profundamente centrais dos E.U.A. A bem dizer, fica de tal maneira incrustado no meio daqueles que até tem 2 fusos horários. E se outrora foi palco de investidas históricas e de batalhas sanguinolentas com os «peles vermelhas», durante a Conquista do Oeste, o Nebraska de hoje nem 10 habitantes tem por km2, sendo um estado desoladamente despovoado, lento e monótono, local ideal, por conseguinte, para se rodar um «road movie» como este que agora nos traz Alexander Payne, autor do memorável «About Schmidt», filme com o qual, aliás, apresenta parecenças indisfarçáveis.

E se Payne decidiu bem pelo local, melhor optou pelo preto e branco para fotografar este desconsolado e melancólico filme, e mais ainda o fez em relação a Bruce Dern, escolhendo-o para protagonista, ele que «apenas» tem sido secundário - vilão, sobretudo - em dezenas de «westerns» e outros tantos policiais e que consegue aqui, quiçá, o momento mais alto da sua já longa carreira. Dern cola-se sobriamente à personagem de velho pai de família, de alguém que é quase ignorado e ostracizado pelos seus; um homem de poucas ou nenhumas palavras e que, incauto, é vítima de publicidade enganosa e, pior, dos amigos da onça e dos oportunistas de toda a espécie que lhe vão aparecendo pelo caminho ao longo da sua demanda.

No meio de tamanho desencanto e não menos frustração há lugar à poesia (sim, à poesia) e à esperança de que é sempre possível recolocar uma família no trilho certo, não obstante as adversidades. Melhor cena do filme, a de pai e filho à procura da prótese dentária na linha do comboio. Melhor «snapshot», o de tios e primos olhando bovinamente para a televisão.

terça-feira, março 04, 2014

Filmes em revista sumária #443


Ver Roma e depois morrer, reza o adágio. Mas… será que já só há «mortos» por detrás de tamanha beleza e ninguém ainda se apercebeu disso?

O mote para este grandíssimo filme de Paolo Sorrentino salta-nos antes do genérico inicial, com o turista japonês que mira a cidade eterna desde a Fonte de Água Paula, na colina de Gianicolo, e que cai para o lado, fulminado por tamanha beleza. «Raccord» imediato e eis-nos no meio de uma festa frenética na cobertura de um prédio, sob o olhar da Martini (e que outra marca poderia ser?): a festa dos 65 anos de Jep Gambardella, personagem central e rei dos mundanos.

E se «A Grande Beleza» tem semelhanças evidentes com os filmes de Fellini («Dolce Vita» à cabeça), pelo caricato de algumas das personagens, pela «socialite» em contínuo estado de embriaguez psíquica, etc., há também um forte tom lynchiano (já presente no filme anterior de Sorrentino) que contrapõe a esse lado burlesco, optimista, «vivace» e romano do filme, um vórtice de profundo desencanto, uma nostalgia exasperante, a impossibilidade da fuga, a tragédia do faz-de-conta.

«A Grande Beleza» é um tratado sobre a decadência (que também é arte, não?), criação do homem (divina?), e sobre o labirinto de como se aceder à verdadeira beleza, à que não passa nem por cirurgias plásticas nem por fatos à medida, artistas de vanguarda e moralistas de partido. À que está fechada a «sete chaves» mas à guarda de alguém misterioso, elegante e… coxo. À que só os bafejados pela capacidade de peregrinarem às raízes do «eu» conseguem almejar.

Sem dúvida alguma que «A Grande Beleza» é um dos grandes filmes italianos dos últimos anos (muitos). Conta com um Toni Servillo absolutamente fabuloso, e sequências inteiras de se ficar sem fôlego (nós e ele), graças a ele e a um idioma único, uma banda sonora que remete para a Carrà, uma cenografia exemplar (dentro e fora do «plateau») e a …Roma. Façam favor de ficar até ao fim do genérico final, ponte sob ponte do Tibre.

Resumindo: uma «bellezza da morire».


In O Diabo (4-3-2014)

segunda-feira, março 03, 2014

Obituário: Alain Resnais (1922-2014)


Há cada vez menos assim e «The Guardian» resumiu bem a sua carreira: «60 years of sensational cerebral film-making». Mas podia ter acrescentado que o seu cinema também é fresco, imaginativo, jovem, estético e de um extremo bom gosto, e que era insuperável a filmar cenas de amor, ou bien ...