terça-feira, setembro 30, 2014

Filmes em revista sumária #472


«Namoro à Espanhola», do madrileno Emilio Martínez-Lázar, é uma comédia em tom de paródia ligeira, e brejeira em muitos momentos, aos supostos clichés que os não bascos (e o título no original é muito mais sugestivo: «Ocho apelidos vascos»), mais propriamente, os andaluzes, terão acerca dos oriundos da “terra do euskara” e vice-versa. A receita para estas coisas já é velha mas parece que muito realizador continua a ter um forte sentido de oportunidade, sobretudo agora, no rescaldo do mega-sucesso francês «Rumo ao Norte» (Dany Boon, 2008), que está para durar (haverá algum por terras lusas para breve?), sendo que desta vez estamos perante o óbvio:

Trata-se de cavalgar êxito alheio - e o italiano Luca Miniero já o havia feito com «Bem-vindo ao Sul», em 2010 – sem lhe acrescentar mais nada do que apenas alguns condimentos. E, tal como em muitas outras ocasiões, estamos mais uma vez perante a prova provada de que o primado do original sobre a remake é mais do que certo, ainda que seja indiscutivelmente verdade que ninguém sairá mal disposto de «Namoro à Espanhola» pois o filme diverte de tão tonto que é e há cinco personagens impagáveis: o noivo incauto (Dani Rovira), a viúva picante (Carmen Machi), o padre Inazio (Aitor Mazo) e os colegas do botequim sevlhinao (Alberto López and Alfonso Sánchez).

Portanto, recomenda-se o espectador destemido para que se prepare para um chorrilho de lugares-comuns, situações forçadas ainda em maior número e muito exagero de parte a parte, mas também para uma fotografia bem bonita, algumas gargalhadas irreprimíveis e para aquele salero que só os espanhóis conseguem ter, sejam eles de onde forem.


In O Diabo (30.9.2014)

terça-feira, setembro 23, 2014

Filmes em revista sumária #471


Nota prévia: não deixa de ser irónico que os braços-abertos com que Clint Eastwood – o realizador, não o actor – tem sido recebido pela crítica desde há uns anos a esta parte, se devam à inquestionável excelência de «Bird» (1988), um biopic musical, dramático e escuro como breu (não fosse ele sobre o saxofonista Charlie Parker), aquele que foi um soco no estômago em quem se habituara a ver apenas em Eastwood, erradamente, o “cowboy” solitário e o polícia-vigilante de uma América hiperconservadora (a mesma crítica que o ignorara, por sinal, noutro musical belo e desencantado de nome «A Última Canção», seis anos antes).

«Jersey Boys» é um musical à anos 50-60, que vale essencialmente por resgatar a história e as canções dos Four Seasons - mais estas do que aquela, que aqueloutra anda algo perdida no ziguezague (propositado?) de Eastwood entre o afinar do retrato de uma época (os valores tradicionais, os cenários, o vestuário, etc.) e a inevitável “charge” à máfia scorseseana -, da memória dos septuagenários que as viram, ouviram e dançaram em tempo real, pela voz inconfundível de Frankie Valli. Neste particular, o filme perde dramaticamente, por exemplo, com «Bobby Darin - O Amor é Eterno», de Kevin Spacey, pese haja momentos dramáticos muito bons - veja-se a cena de Valli com a filha, Francine, no snack-bar.

No resto, «Jersey Boys» aspirará a clássico mas não chega lá, e que não se culpe a caracterização horrorosa das personagens já idosas. Elogie-se, sim, Eastwood por ter sabido filmar as músicas e as canções sem recorrer aos tiques do videoclip, optando pela tradição (não, ele não é bota-de-elástico), e por aquele assombroso grand finale à «Weste Side Story», filmado em plano-sequência a partir dos quatro amigos entoando uma canção debaixo de um candeeiro de rua, como se estivessem em palco.

P.S. «Can't Take My Eyes Off You» é uma canção soberba, e não será por acaso que Christopher Walken a repete aqui depois de por ela ter passado em «O Caçador», de Cimino.


In O Diabo (23.9.2014)

terça-feira, setembro 16, 2014

Filmes em revista sumária #470


Com quase meia centena de filmes no seu brilhante portfólio, é natural que desde para aí há já uns 15 anos a esta parte, mais coisa menos coisa, o quase octogenário Woody Allen (parece mentira, sim…), tenha engrenado a sua prolífica produção de um filme por ano numa espécie de piloto-automático (re)criativo, intercalando de vez em quando as suas comédias românticas, mais ou menos amalucadas e outro tanto filosóficas, por algumas inestimáveis pérolas cinematográficas de cariz profundamente dramático - olhe-se, por exemplo, aos memoráveis «Blue Jasmine» (2013) e «Match Point» (2005) -, produções em que ele não costuma ceder nem um só fotograma à comédia, ainda que não deixe de obedecer ao padrão da maior parte daquilo que o identifica junto do espectador, mesmo ao mais desatento, e que é a sua imagem de marca quase desde o começo:

Filmes com genéricos corridos a preto e branco e sempre no mesmo tipo de letra, acompanhados a jazz dos tempos áureos e com as fichas técnicas do costume (mais estrela menos estrela), sempre com uns diálogos de truz e de perder o fôlego, metralhados a um ritmo alucinante e embrulhados em “décors” de um bom gosto irrepreensível e, claro, com umas larachas muito bem apanhadas para apimentar a cena.

É aqui que se encaixa este «Magia ao Luar», a nova paródia de Woody à magia do abracadabra de sabor oriental e aos videntes de trazer por casa, treze anos depois do mal-amado «A Maldição do Escorpião de Jade», desta vem sem o próprio a protagonizá-lo mas com a estrela Colin Firth, o qual, contudo, mau grado todo o seu talento e toda a sua categoria, não consegue fazer levitar o filme para lá de uma mediania por demais evidente, nem para longe da Côte d’Azûr de encher o olho ou dos magníficos automóveis e do guarda-roupa de antanho.

É pena, tem pouca magia e sabe a pouco? É, tem, sabe. Mas, a bem dizer, Woody Allen é como aqueles amigos de longa data lá de casa, será sempre bem-vindo.


In O Diabo (16.9.2014)

terça-feira, setembro 09, 2014

Filmes em revista sumária #469


A anos-luz daquela que terá sido a melhor adaptação de uma BD ao grande écran nas últimas décadas – a «Sin City» de 2005 –, esta sequela intitulada «Sin City: Mulher Fatal», novamente co-realizada por Roberto Rodriguez e Frank Miller (também autor da banda desenhada homónima), tinha tudo para dar certo mas não conseguiu, e não foi pelo poderoso efeito surpresa de há quase já 10 anos.

De facto, de pouco lhe valem agora as personagens escuras, eróticas, violentas, sórdidas de então, sempre tão aparentemente desgarradas entre si, ou alguns dos actores (Mickey Rourke, Jessica Alba, Powers Boothe, Bruce Willis) que tão bem deram corpo e fama ao primeiro filme.

A acção, a muita acção continua, tal como a narrativa se mantém assente naquela virtuosa montagem aos solavancos. Contudo, tudo parece repetição e não fora a nova fabulosa história de amor sado-masoquista à «film noir» dos anos 30-40, protagonizada pelo par de fazer faísca Eva Green & Josh Brolin e um tal de «chauffeur» de nome Manute (talvez a personagem mais bem conseguida de todas) obcecado pela patroa (alô «Sunset Boulevard…), e estávamos perante uma imensa desilusão, mau grado a sombra, o movimento e os fluxos sanguíneos que continuam a jorrar a branco e encarnado, ao sabor dos violentíssimos sopapos e arrancares de olhos de Marv (a personagem interpretada por Rourke é de facto imprescindível a esta BD) ou dos golpes de espada da acrobática Miho.

«Sin City: Mulher Fatal» só mesmo a espaços consegue não perder com o primeiro filme, apresentando buracos surpreendentes no enredo e histórias que nem chegam a colar, como sejam as das vinganças de Nancy e do jogador de póquer Johnny, ambas contra o terrível e sanguinário senador interpretado por um Powers Boothe sempre em forma. Além do mais, desta vez há muito menos efeito BD, muito menos grafismo e muito mais rostos reais. Não, de facto, sem a história da mulher-fatal (e que cena espectacular a da piscina, em novo aceno ao imortal filme de Wilder) e só restariam o estilo e Marv. Apenas distrai. É tudo e é pena.


In O Diabo (9.9.2014)

terça-feira, setembro 02, 2014

Filmes em revista sumária #468


A premissa, melhor dito, o mito que serve de mote ao último filme do parisiense Luc Besson está longe de ser provado cientificamente, e disso já se sabia. No entanto, tal não implica que não continue a ser aliciante o facto de se pensar (quem disso for capaz…) que um homem mediano possa ter o seu cérebro apenas a 10% das reais capacidades (15%, se for um génio), e que uma eventual maximização da sua capacidade instalada (não confundir com Q.I.) será induzida pelo movimento de reprodução celular, correspondendo na prática a sermos uma espécie de demiurgo volátil e omnipresente, de consequências imprevisíveis para o comum dos mortais.

O ponto de partida de «Lucy» era, portando, engraçado e «cinematográfico», o pior foi mesmo calhar em sorte ao autor de «Subway», de quem há muito se espera mais do que acaba sempre por ir fazendo, filme após filme, mais estrela menos estrela, ainda que «Lucy» seja de longe o seu melhor filme desde «O 5º Elemento» (1997); talvez porque Scarlett Johansson é uma fora-de-série e tem realmente um toque de midas mesmo para coisas como a presente.

Esta espécie de «Nilkita» em versão cerebral começa muito bem, aliás, em tons de homenagem aos filmes de terror orientais (Choi “Old Boy” Min-shik faz a festa em todas as cenas em que entra), e a ideia da droga CPH4 ser assimilada pelo organismo e daí potenciar os neurónios de forma exponencial é um achado. Simplesmente, o filme cedo começa a derrapar numa série de piruetas e piroseiras narrativas e visuais (estas muito aquém do que é habitual na Industrial, Light & Magic – as cenas com a macaca Lucy são de rir), de que a publicidade ao novel Peugeot 308 é sintomática. Enquanto «trhriller» é pouco mais do que medíocre, mas a banda sonora de «Lucy», essa, é fabulosa, pelo que merece a pena ficar-se até que o genérico final se finde.

Pergunta da praxe: mas afinal, o nosso cérebro está a 10% ou nem isso? Pois. Continuará o mistério e o quebra-cabeças, para quem as tiver, obviamente.


In O Diabo (2.9.2014)