terça-feira, maio 27, 2014

Filmes em revista sumária #455


No rescaldo das duas horas de duração do «Godzilla» de Gareth Ewards (que até tinha começado menos mal quando realizou «Monsters-Zona Interdita», em 2010), a grande conclusão é: talvez tivesse sido melhor terem-se ficado pelas miniaturas da praxe ou pela dimensão única da BD, em vez de insistirem em filmá-lo, muito menos nas malfadas 3-D, essa praga que ultimamente se vai propagando a cada «blockbuster» que estreia.

No original japonês, de 1954, estávamos perante uma das muitas aventuras terríficas, totalmente ingénuas, do pós-guerra, ainda que essa fosse munida da indispensável mensagem subliminar, mas que na prática serviam apenas para divertir o público com um sem-número de répteis e outros animalescos mais ou menos monstruosos, que, em resultado de mil e uma radiações e intervenções do homem, destruíam cidades e matavam magotes de gente, locomovendo-se e gesticulando ao sabor de uns efeitos especiais tão artesanais quanto genuinamente ingénuos.

Este outro, agora estreado entre nós, diz respeito à narrativa ulterior sobre o celebérrimo mostrengo, fruto de uma abordagem sentimentalona e parva, em que personagem passa a ser-nos apresentada como o garante último, calcule-se, do equilíbrio entre o bem e o mal no planeta Terra.

Nesse propósito, vai de o confrontar com duas outras terríveis máquinas de extermínio, mais «metálicas», réplicas baratuchas dos «aliens» de boa memória, de Ridley Scott e James Cameron; vindas não se percebe muito bem de onde, e de as fazer protagonizar às três um confronto inenarrável e hilariante, em que o mau gosto se mistura com a pirotecnia atroz, tão gigantes quanto o gigantesco desperdício de dinheiro dos estúdios (e do público), abusando de uns efeitos especiais mais que manhosos (nada artesanais …) e de um punhado de actores que mais valia tivessem ficado em casa (Binoche, Watanabe, Elizabeth Olsen, Bryan Cranston, David Strathaim? por favor!).

No que a terríveis bichos diz respeito, o título de rei da sétima arte, esse, continua bem entregue ao Kong criado e realizado pela imortal dupla Cooper & Schoedsack, a (re)ver, sempre.


In O Diabo (27.5.2014)

terça-feira, maio 20, 2014

Filmes em revista sumária #454


«Sob a Pele», de Jonathan Glazer, é uma parábola sobre a estirpe humana (onde, apesar de tudo, ainda é possível encontrar a virtude no meio de tanto negrume, nem que seja aos olhos de um extraterrestre); rodada numa Escócia sempre propícia a cenários tão belos quanto desoladores (veja-se aquele plano soberbo, à pincel de Caspar David Friedrich, do motard no meio da neve), mas o mistério (se é que o há) mantém-se por decifrar no meio daquela viscosidade negra, parecida a jazida de petróleo, maléfica e alienígena, onde se vão afogando os humanos seduzidos, hipnotizados e capturados, cirúrgica e metodicamente, por uma Scarlett do outro mundo, literalmente.

Personagens sós, sugadas num esfregar de olhos, reduzidas a papiro epidérmico, as pobres, cuja matéria se vai esvaindo inconscientemente numa viscosidade sanguínea, que corre como lava, não se sabe muito bem para onde (lembra a cena do sangue a jorrar junto ao elevador do Hotel Overlook, de Kubrick). Expurgo humano, sublimação da alma? É que ao contrário de «Predador» (1987), por exemplo, aqui nunca se chega a saber o porquê da caçada, o que, bem vistas as coisas, talvez nem interesse para o caso.

O problema é que esta mulher fatal, esta caçadora implacável, vira presa ao tornar-se humana no sentir e na emoção, no toque da pele, na compaixão por aquele terrivelmente deformado (não por acaso esta é a única presa a ver a sua predadora completamente nua), até não lhe restar alternativa que não seja entregar-se ao destino.

Resumindo, «Sob a Pele» é um filme extraordinário na verdadeira acepção da palavra, propício a opiniões antagónicas, mesmo inflamadas; que tem na fotografia, nos efeitos de som e na música inquietante (que lembra Ligeti mas também a que Rolfe Kent compôs para a série televisiva «Dexter») três elementos de truz. E Scarlett está assombrosa. Abençoado o filme que põe o espectador a pensar no que acaba de ver. Mas Kubrick só há um, o demiurgo de St. Albans e mais nenhum.


In O Diabo (20.5.2014)

terça-feira, maio 13, 2014

Filmes em revista sumária #453


Parece que é desta que o sobrinho de Coppola, perdão, Nicholas Cage, volta a ser considerado pelo público e pela crítica, tal o rol de interpretações cabotinas que o actor oscarizado por «Morrer em Las Vegas» (1995), vinha a acumular desde há uma boa vintena de anos, em dezenas de papéis miseráveis e outros tantos filmes abaixo de cão. Oxalá.

Contudo, em «Joe», de David Gordon Green, ele divide o protagonismo com o jovem Tye Sheridan (do brutal «Mud», de Jeff Nichols; filme, aliás, com que «Joe» pretende rivalizar mas sem sucesso) e, sobretudo, com Gary Poulter, um sem-abrigo real que mete no bolso do seu alcoólico, arrogante e violentíssimo … sem-abrigo de nome Wade, todas as cenas em que aparece. Com efeito, será difícil esquecermos o carisma e o talento natural de Poulter (que morreria antes da estreia do filme, em circunstância digna de «Joe») e o seu ar alucinado, o olhar esgazeado, a orelha cortada, os dentes partidos e aquela cena fabulosa em que mata à pancada um seu camarada de perdição, para depois lhe encomendar a alma ao Criador.

«Joe» é um filme sobre a família (sobre aquela que podia ter sido e não foi) e sobre a amizade, aparentemente improvável (adulto-adolescente, preso-polícia, branco-negro, cliente-prostituta), mas também sobre a bestialidade que habita o homem e como no fim a humanidade acaba por se lhe sobrepor (valha-nos isso). É também um filme sobre a redenção e os ímpios caminhos para a conseguir (Joe tem todos os vícios e mais alguns, a começar pelo de passar as noites a olhar bovinamente para o televisor).

Pelo meio há personagens riquíssimas (e outras sem jeito como aquele sujeito das cicatrizes, que nunca mais morre…) de uma América profunda, que os indie tanto gostam de remexer, e algumas mensagens curiosas: a rivalidade canina que descamba em luta sanguinolenta, as árvores que se matam e que se plantam, a ponte entre duas realidades; a mulher do carro que pára ao lado no semáforo, o afiar dos paus em simultâneo, de Joe e Gary. Dará para Cage se redimir? Veremos.


In O Diabo (13.5.2014)

segunda-feira, maio 12, 2014

O tempo voa ...et voilà!

quinta-feira, maio 08, 2014

Filmes em revista sumária #452


«Laços de Sangue» é mais uma das recentes revisitações dos policiais dos anos 70, desta vez em «remake» americana de «polar» homónimo francês, acrescido de dupla curiosidade: não só era suposto ser ao contrário que isto acontecesse, como o realizador, Guillaume Canet (autor do consagrado «Pequenas Mentiras Entre Amigos»), é o mesmo de ambas! Apesar da seriedade da realização e da escrupulosa reconstituição daqueles saudosos tempos, e pese embora o elenco de luxo (ah, Caan, ah, Caan…), o filme não engrena como era suposto engrenar e a coisa vai-se passando mais ou menos de forma fastidiosa, mais música menos música, mais tiro menos tiro, mais bocejo menos bocejo. A gente bem quer que ande mas …nada. Clive Owen é um pouco canastrão e o sotaque não ajuda, e da Cotillard não se percebe muito bem a razão de ali estar, coitadinha. O desenlace final vale por quase todo o filme, e Siegel ou Frankenheimer fariam bem melhor do que isto e com uma perna às costas.

quarta-feira, maio 07, 2014

A partir de amanhã, Scarlett suga-nos ao tutano:


terça-feira, maio 06, 2014

Filmes em revista sumária #451


Sobre a célebre ordem dada por Hitler (Himmler?) ao governador militar de Paris no princípio do fim da Ocupação, que dá título à presente crónica, pensava-se que já se havia escrito e filmado o definitivo, desde logo pelas peripécias rocambolescas e suculentas de Porta e seus camaradas, no livro homónimo do dinamarquês Sven Hassel, ou no relativamente mastodôntico mas bastante bonito «Paris Já Está a Arder?», de René Clément, feito em 1966 com um batalhão de estrelas (o argumento era de Gore Vidal e F.F. Coppola!). E que por força disso, este «Diplomacia», do alemão Volker Schlöndorff, estaria condenado ao ostracismo. Contas furadas:

Não só a história à volta da ordem-que-não-foi-acatada continua atractiva e fonte de inspiração (assim haja voluntários nos tempos que correm), como do autor de «O Tambor» se espera sempre rigor e sobriedade, uma direcção de actores apurada e uma gestão do tempo imaculada, resumindo: filmes onde tudo está no sítio certo e todos sabem onde pisar e o que dizer, quando e de que forma. Dramaturgia filmada? Talvez, e daí?

Resumindo, ninguém sairá defraudado com esta nova abordagem ao criminoso plano de fazer explodir a Paris das luzes, como manobra de retirada militar. Além do mais, «Diplomacia» é um intensíssimo mano-a-mano entre dois veteranos do cinema francês, Niels Arestrup (meio dinamarquês…) e o resnaisiano André Dussolier, que incarnam na perfeição o general da Wehrmacht, Von Choltitz, e o cônsul sueco em Paris, Raoul Nordling. Digladiam-se em olhares e gestos, argumentos e palavras de uma elegância doutros tempos, encerrando em si mesmo um autêntico tratado de diplomacia, de uma diplomacia que hoje, quiçá, está obsoleta e seria incapaz de se repetir.


In O Diabo (6.5.2014)