terça-feira, março 31, 2015

Filmes em revista sumária #495


Às vezes há filmes em que dá gosto bater e «O Atirador», de Pierre Morel, é um deles, indubitavelmente: é um filme oportunista até dizer chega (mais uma vez o desgraçado do Congo serve de pano para mangas), parvo (alguém com três dedos de testa acredita naquela historieta?), previsível (Morel deve pensar que o espectador comum não sabe o que são filmes de ajuste de contas e que não topam o vilão mal ele entra em acção) e repetitivo (ora há tiros ora há perseguições, ora vice-versa), mas pretensioso, muito.

Tem ainda o condão de fazer regredir Sean Penn ao seu estado primário, aos papéis dispensáveis do início da sua carreira, quando era ainda marido de Madonna, de jovem brutamontes e mentecapto musculado à Rambo, o que só por si é obra, mas que é também um enorme contra-senso pois Penn é (ele e só ele) o chamariz deste filme.

Uma coisa é Morel usar e abusar de Liam Neeson e Jason Statham para “correios de risco” e afins, outra, bem diferente, é fazer ao oscarizado Penn, e a Bardem, já agora, seu parceiro nesta paródia, o que Morel lhes faz (e ambos deixaram que lhes fizesse) neste filme para esquecer, e já.

No meio de tanta pouca vergonha, salva-se a romana Jasmine Trinca (era a irmã do desaparecido no inolvidável drama de Moretti, de 2001, «O Quarto do Filho»), que, talvez ingenuamente, leva o filme bastante a sério.

A Penn recomenda-se que não produza mais coisas destas. A Bardem que não se cole a vilões do burlesco de 007. E a Morel recomenda-se uma acção de formação urgente, de preferência recorrendo a sessões contínuas de filmes de Friedkin ou Frankenheimer, só para falar em dois dos expoentes do cinema de acção feito mais recentemente.

In O Diabo (31.3.2015)

terça-feira, março 24, 2015

Dica para uma tarde de Sábado


Mais que um lugar onde se conservem ou guardem películas cinematográficas, a Cinemateca Júnior é um lugar fantástico, o que por lá está e passa encanta e faz sonhar “dos 8 aos 80” (os primeiros até dispõem de um passaporte escolar). Bem que se podia pregar um “para todos” na porta da entrada desta sala de espectáculo, ali onde as tardes (e fazerem sessões às 11h?) de Sábado no Salão Foz são sempre bem passadas e uma experiência a repetir, porque mágica.

Mágica porque, logo à partida, o espaço físico da Cinemateca Júnior (hall, bilheteira, sala e foyer) assim nos convida, remetendo-nos para cem anos atrás, altura em que por ali havia um Cinema Central (ao tempo a sala mais luxuosa de Lisboa, com uma lotação de 425 lugares), que antes disso havia sido uma loja de artigos eléctricos, imagine-se, logo após ter sido a capela privativa dos senhores do Palácio Foz.

Depois, porque é maravilhoso podermos observar de perto, mexer, mesmo, na inúmera “memorabilia” de antanho, que ali se encontra em exposição permanente, das lanternas mágicas às sombras e aos discos de fenaquistiscópios (só soletrando, mesmo) e tantas outras fundações da Sétima Arte.

Finalmente, porque a qualidade, o bom gosto e a pedagogia têm sido apanágio da sua programação em termos fílmicos, basta ver o título que vai ser projectado no próximo dia 28 do corrente, na sala dos Restauradores: «Eduardo Mãos de Tesoura», o gigante dos maiores dos filmes de Tim Burton, datado de 1990, com Johnny Depp.

Fica a sugestão: passe por lá e delicie-se duplamente, interaja com o museu e veja ou reveja “Eduardo Mãos de Tesoura”, a espantosa e inolvidável «fantasiosa e negra variação do tema de Pinóquio […] o “boneco” deixado incompleto (mãos de tesoura) por um novo Gepetto, que é a última aparição no cinema do grande Vincent Price, numa homenagem prestada por Tim Burton, seu grande admirador». Vai ver que não se arrepende.


In O Diabo (24.3.2015)

quinta-feira, março 19, 2015

"Fright Night" (2011), revisão em alta:


I don't need an invitation if there's no house.

terça-feira, março 17, 2015

Filmes em revista sumária #494


Vem o título desta crónica («2 discípulos, 2 génios, 2 filmes») a reboque do ciclo que a Cinemateca Portuguesa dedica a alguns dos colaboradores de mestre D.W. Griffith, que depois de “estagiarem” com o pioneiro, vieram a ser outros que tais, mais ano menos ano, ex. John Ford, Erich von Stroheim, Frank Borzage ou Raoul Walsh, entre muitos outros.

Ora no meio de tanto nome famoso e de tanto título irresistível (por mais que os vejamos pela enésima vez), mudo e sonoro, a preto e branco e a cores, que se vai projectar durante esta dedicatória na Barata Salgueiro, ao longo do mês de Março e que, é bom lembrar, nos chega por efeito colateral da efeméride mundial de «O Nascimento de Uma Nação» (1915) – e por falar em comemorações, não se entende como é que o Cinema São Jorge passa ao lado dos 30 anos de «Tubarão»?! -; há dois filmes, de outros tantos génios, que merecem destaque, no seu título original, bem entendido, porque a tradução que deles fizeram à altura, não se faz: «The Crowd» e «The Unknown». Duas histórias de amor inolvidáveis.

A primeira, realizada por Vidor (King, claro), estreada em 1928 e sem actores de nomeada, retrata a odisseia de alguém a quem a sorte não quer bafejar, apesar de nado a 4 de Julho; atirado que foi para uma secretária, metido entre mil outros iguais (plano dos mais terríveis da história do cinema), indiferenciado numa imensidão de sala de uma companhia de seguros, perdido que foi o sonho de conquistar um lugar ao sol em NYC. Até que o amor o resgata, depois de uma série de agruras, com a poderosa câmara de Vidor sempre presente.

Na segunda, uma daquelas fantásticas paradas de monstros de Tod Browning, quase sempre a meias com Lon Chaney (não confundir com o homónimo Jr.), o “homem das mil caras”, em 1927; Alonzo é louco pela beldade gitana de Nanon (fabulosa Joan Crawford), sua parceira em arriscado número de circo, não hesitando em se decepar ingloriamente de modo a conquistá-la, a ela que persistia em ter medo de braços masculinos mas apenas para ele, afinal. Sublime perversão.

São mudos? Pois são e (re)vê-los vale mais que mil palavras.


In O Diabo (17.3.2015)

terça-feira, março 10, 2015

Filmes em revista sumária #493


Que não haja ilusões: quem não gostar de «Whiplash» é, como João Gilberto canta no seu samba, ou ruim da cabeça ou doente do pé. Aliás, não é qualquer filme que nasce para ser curta-metragem e se torna longa de um ano para o outro, fruto dos aplausos frenéticos com que foi recebido em Sundance, em 2013, ganhando, já na 2ª condição, o prémio do grande júri desse mesmo festival mas na edição do ano seguinte.

Também não é preciso ser-se fã de jazz para se ficar adepto deste filme de Damien Chazelle; ele que é mais um nome a ter em conta na lista já bem recheada da nova vaga norte-americana.

De facto, espectador que não se previna para «Whiplash» pode incorrer no risco de passar, não só, a ser colecionador frenético dos discos de Buddy Rich, quiçá o maior baterista jazz de todos os tempos, mas a tocar pratos e tambores em tudo quanto apanhe em casa. Fica feito o aviso.

Brincadeira à parte, «Whiplash» é um filme sobre a experiência traumática de um aprendiz de baterista no primeiro ano do Conservatório de Shaffer (tentámos vislumbrar tectos com buracos e paredes a cair como no de Lisboa, mas nada…) sob pressão da batuta-chicote brutal, frenética e ditatorial do seu professor. É baseado segundo Chazelle na sua própria experiência enquanto aluno de música. O certo é que se trata de um filme fabuloso, certinho, imaculado, em que o swing se faz de claros e escuros (o rosto das personagens, a superfície dos tambores, os pratos, e a sala de aulas e o vestuário do tirano Fletcher), e a bateria não pára de nos dar percussão da forte e boa, em investidas tortuosas do jovem mártir Andrew (muito bem, mesmo muito bem, Miles Teller), e ao fim de 15’ já não podemos passar sem bateria.

Por fim, uma menção especial ao eterno secundário de filmes e séries da tv, J.K. Simmons, que tem aqui o papel da sua vida. Óscar mais que merecido, por cada ruga inchada da sua testa e do pescoço, por cada berro jorrado em grande-plano, como que projectado de uma gárgula fantasmagórica do cimo de catedral gótica.

No final apoteótico e electrizante, ao som de «Caravan», a reconciliação é completa, comprovando-se o provérbio de quem porfia mata caça.


In O Diabo (10.3.2015)

terça-feira, março 03, 2015

Filmes em revista sumária #492


«Teoria de Tudo» é acima de tudo uma impressionante história, a de vida do astro-físico inglês Stephen Hawking, a quem um dia foi diagnosticada uma terrível doença degenerativa chamada esclerose lateral amiotrófica, a qual, contudo, o não conseguiu vergar na sua senda estóica pela explicação definitiva sobre a origem de tudo …“isto”.

Pena é que o filme realizado por James Marsh passe praticamente ao lado da maior parte do muito que Hawking pensou e pensa, disse e diz, escreveu e escreve desde há algumas décadas a esta parte sobre esse fascinante mistério, e que se resuma a pouco mais que um bonitinho e inofensivo telefilme para consumo de final de tarde, uma história de amor com sotaque inglês bem vincado (fica sempre bem), um enredo que mereceu a aprovação e o aplauso da primeira mulher de Hawking (o que lhe dá o certificado de verdade histórica) e que a saudosa ITC, por exemplo, não desdenharia, por certo.

Certo é que estamos também perante um filme de actores, não fossem quase todos ingleses, aqui mais Felicity Jones, compondo uma credível e discreta 1ª Mrs. Hawking, do que o esforçadíssimo Eddie Redmayne, aqui e ali tiques e ademanes, aliás, o que só comprova que se há galardão que não olha a injustiças esse galardão chama-se Óscar.

Resumindo, filme por livro de Hawking, talvez valha mais a pena ler, se calhar, as 232 páginas de «Uma Breve História do Tempo» e tentar ficar a saber tudo, mas tudo, do big bang aos buracos negros.


In O Diabo (3.3.2015)