terça-feira, outubro 27, 2015

Filmes em revista sumária #520


O zelota, perdão, o ninja-justiceiro (qual infiltrado do título em português, qual carapuça) do novel filme do canadiano Denis Villeneuve, não mata nem tortura o próximo com o propósito de expulsar os romanos da Judeia, mas antes de repor o equilíbrio de forças nos cartéis da droga e, já agora, por uma questão pessoal, “por se acaso”.

Em «Sicário», as migrações ilegais transfronteiriças entre o México e os E.U.A. e o enredo policial CIA-FBI-cartéis que nasce a partir da portentosa sequência inicial do resgate à bruta- feito com tremendo impacto visual (ah, grande Roger Deakins!) e sonoro (e que grande banda sonora, a do islandês Jóhann Jóhannsson), e sem aviso prévio ao espectador, que fica logo ali sem fôlego -, servem apenas de enfeite a um poderoso e violentíssimo filme de acção (a gerência agradece), que é disso que se trata, resumindo e concatenando.

Longe vão os filmes imberbes sobre o tema, como «Fronteira Sangrenta» (1980), por exemplo, com o grande Bronson então como protagonista, mas já muito mais recentes na memória colectiva estão o filme «Traffic», de Soderberh, e a prodigiosa série televisiva «A Ponte», só para referir os marcos mais evidentes.

Por isso, em «Sicário» todo o cuidado é pouco para não perder com a concorrência e não perde, até porque se a inglesa Emily Blunt não é a alemã Diane Kruger mas para lá caminha, temos El Paso, Juárez, a fronteira, o deserto, os túneis, os corruptos, as execuções sumárias à narcotraficante, e por aí fora, tudo revisto mas em up-grade.

E se Josh Brolin não anda ali a fazer praticamente nada, e não anda, passeando no filme num tom à Wayne ou à Marvin, quem faz faísca com a esquálida Blunt em cada cena em que contracenam, é não o detective Ruiz da série já referida, mas o porto-riquenho mais justamente famoso de Hollywood: Benecio Del Toro, que aqui regressa às suas interpretações de encher o olho – por sinal ele não arranca olhos, antes prefere enfiar em terceiros os dedos narinas acima e ouvidos adentro!

Que viva México!


In O Diabo (27.10.2015)

segunda-feira, outubro 26, 2015

Obituário: Maureen O' Hara (1920-2015)


Desapareceu a “Rainha do Technicolor”, a ruiva mais famosa do Cinema, a inesquecível irlandesa irrascível de «A Quiet Man», a doce galesa e mais bela rapariga do vale que deu título à mais bela história jamais contada em volta de uma mina («How Green Was My Valley»), a heroína de tantos e tão bons filmes e outras tantas aventuras e coboiadas de John Ford, companheira inseparável do herói Wayne. Para além do mais, tinha uns olhos inesquecíveis. Nem um filmezinho, RTP?

terça-feira, outubro 20, 2015

Filmes em revista sumária #519


«Homem Irracional», a 46ª longa-metragem de Woody Allen, não destoa nem um poucochinho dos demais filmes que trouxeram até aqui Allan Stewart Konigsberg, algumas vezes em piloto-automático, diga-se, que acabaram por fazê-lo nosso amigo de casa desde que nos lembramos, pelo menos desde «Que Há de Novo, Gatinha?», o seu primeiro, datado de um já longínquo 1966.

Ou seja, mais uma vez estamos perante as suas obsessões e frustrações, mais a religião, o sexo, a vida para além da morte, o buscar a verdade das coisas, o porquê de tudo isto, o decifrar do grande enigma que é o ser humano, pela crítica (sobretudo auto) e pela argumentação (quase sempre corrosiva e hilariante), numa palavra: filosofando.

Parafraseando Woody Allen, demos graças a Deus por não estarmos perante mais um filme em registo de postalinho turístico, como tem sido seu apanágio recentemente, para mal dos nossos pecados. Voltou e bem às comédias românticas, daquelas tipicamente suas que viram policiais de um momento para o outro. Desta vez nem falta um “MacGuffin”: a pilha que ilumina, ela própria o instrumento do merecido castigo do professor de filosofia, que um decidiu, qual epifania, resolver o seu imbróglio existencialista por via de um crime, supostamente para corrigir uma injustiça.

Joaquin Phoenix encarna muito bem a problemática e egocêntrica personagem principal mas é na realidade o lado feminino quem leva a melhor no cômputo geral, seja pela franzina e excelente actriz que já é Emma Stone, seja pela regressada Parker Posey, a saborosa actriz-fétiche de Hal Hartley, em excelente forma.

«Homem Irracional» não é nenhum «Blue Jasmine» e muito menos se equipara ao fabuloso e inultrapassável até agora «Match Point», mas já Pessoa escrevia: o homem é um animal irracional, exactamente como os demais, apenas mais complexo.


In O Diabo (20.10.2015)

quinta-feira, outubro 15, 2015

Está para breve, o regresso de Fischer vs. Spassky:


terça-feira, outubro 13, 2015

Filmes em revista sumária #518


Do desfecho de vida real de James “Whitey” Bulger, o gangster de Boston, quase todos se lembrarão, porque é muito recente. Já relativamente ao seu curriculum pelos idos de 50 a 80 (!), o mesmo terá certamente passado despercebido à maioria dos espectadores deste lado de cá do Atlântico, não só pelas outras tantas coisas que tiveram para se entreter durante esses anos como pelo facto de Boston não ser Chicago ou Nova Iorque. «Jogo Sujo», de Scott Cooper, é por isso a oportunidade que faltava para nos actualizarmos. Contudo, sem Johnny Depp muito provavelmente este filme passar-nos-ia ao lado e a lacuna manter-se-ia.

«Jogo Sujo» é um filme de gangsters mas que nada tem a ver com os seus homólogos à moda antiga, dos anos 30-40, nem sequer comemora particularmente a «família», temática tão ao gosto de Coppola e Scorsese, que fizeram escol, nem revisita o gangsterismo do extremo-oriente. Em vez disso, Scott Cooper recorre à reconstituição factual da história, em registo jornalístico, numa realização seca q.b., sem grandes alaridos tecnicistas e apenas com algumas pinceladas sanguinolentas, noblesse oblige, recorrendo amiúde a locais onde a verdadeira acção decorreu.

Mas estamos perante um filme dominado do princípio ao fim pela personagem central e por um actor: Johnny Depp. Aliás, cena onde Jimmy Bulger não apareça, uma vez sabida a escandalosa aliança contranatura então feita entre o FBI e a máfia irlandesa de Boston, e pese embora alguns nomes consagrados em papéis literalmente secundários, isso é motivo suficiente para o filme entrar em ponto-morto, ficando sem garra, lento, repetitivo.

E se Bulger era carismático (e foi-o de certeza absoluta) e imprevisível (fruto das injecções de LSD a que se submeteu na prisão, voluntariamente, em finais dos anos 50?), Depp pegou na personagem com unhas e dentes e fez dela uma tão grande e hipnótica interpretação, muito para lá da simples (extraordinária) composição física ou dos cartoon à Tim Burton, que não nos admiraria nada que o próximo Óscar lhe seja entregue, de mão beijada, com louvor e distinção.


In O Diabo (13.10.2015)

terça-feira, outubro 06, 2015

Filmes em revista sumária #517


Nota prévia aos senhores das traduções: Matt Damon não está perdido em Marte, muito pelo contrário, tanta são as suas ideias luminosas (afinal, os botânicos servem para alguma coisa!) para inverter a irreversibilidade a que foi votado por acidente, pelo que traduzirem “The Martian”, o novel filme do prolífico Ridley Scott, por «Perdido em Marte» é pura ficção, científica ou não, que devia ser objecto de impugnação por quem de direito.

Com efeito, nesta espécie de versão espacial de «O Resgate do Soldado Ryan», Matt Damon - aqui completamente solto, assegurando que a monotonia não toma conta nem dos seus dias (sóis) nem do espectador -, é apenas um marciano, ainda que por obrigação, pois, como o próprio refere várias vezes, é o primeiro humano a lá ter quotidiano digno desse nome.

E como Ridley Scott sempre soube fazer bons filmes de ficção científica, «Perdido em Marte» não podia fugir à regra. E não foge. Acaba até por ser natural que o mesmo tenha sido rodado em apenas 70 dias, que a NASA, ela própria, tenha contribuído para o seu argumento, que tenha havido batatas de verdade a germinar numa horta do próprio estúdio e que, afinal de contas, este filme muito realisticamente acabe por ser premonitório de um futuro próximo, talvez muito mais perto do que todos nós possamos imaginar.

Longe de tentar ser blockbuster, «Perdido em Marte» consegue ser um belíssimo entretenimento para todos, sólido, linear, feito com o reconhecido bom gosto (disco sound incluída) de Scott, aqui muito bem-humorado, mas com os inevitáveis estereótipos deste tipo de filme: o patrão-vilão, a empresa que só pensa na imagem, a ingenuidade americana (ou será americanice pegada?) no que respeita ao trabalho em equipa, à cooperação sino-americana e ao reconhecimento mundial pela grande América, por exemplo.

«Perdido em Marte» é como que a coroa de uma mesma moeda, por contraponto com «Interstellar», a cara, de Christopher Nolan, estreado nem há um ano. E boa moeda, sim.


In O Diabo (6.10.2015)