quarta-feira, janeiro 27, 2016

Filmes em revista sumária #530


Pode ter sido tudo verdade e a gente acreditar que foi assim, tal e qual, que aqueles malvados que protagonizam o novo filme de Adam McKay (realizador conhecido pelas comédias amalucadas de Will Ferrell) conseguiram lucrar milhões com a crise financeira de 2008, lucrando à custa da desgraça alheia, depois de terem sabido agarrar, é certo, oportunisticamente mas com inegável talento e risco próprio, uma “janela de oportunidade” no meio da selvajaria do crédito à habitação e das bolhas especulativas com títulos, obrigações, e por aí afora.

E também é verdade que os filmes do género, salvo raríssimas excepções, costumam ser maçudos pela maneira séria e clínica com que abordam estes temas, sendo que «A Queda de Wall Street» consegue resolver este handicap fazendo-o como se fosse um documentário, irónico e cómico, e centrando-se nas operações financeiras da coisa e não nas vidas das personagens para além do que interessa focar.

O problema é que «A Queda de Wall Street» não passa do mesmo durante 130 minutos, de um frenesim desmesurado da câmara (já Scorsese caíra em igual tentação em «O Lobo de Wall Street)» e do batuque com que o gestor de fundos de nome Dr. Burry, interpretado por um Christian Bale abrutalhado e com olho de vidro, insiste em nos furar os tímpanos. Frenesim também de Mark Baum, o cómico-trágico pequeno financeiro a que Steve Carrell dá corpo (personagem baseada na figura real de Steve Eisman e talvez o melhor papel da carreira de Carrell), e ainda de uma parafernália ininterrupta de números, siglas e termos técnicos de fazer corar o mais brilhante dos encartados em economês (terá escapado a Adam McKay alguma linha do respectivo glossário?), de que nem os depoimentos (intercalares) de um punhado de figuras mediáticas da vida real conseguem “trocar por miúdos” seja o que for a quem não saiba declamar de trás para a frente James Tobin, por exemplo.

Ou seja, mais dilema menos dilema, está tudo como dantes … e o «O Dia Antes do Fim», de J.C. Chandor, continua a ser o melhor dos filmes feitos à custa da crise.


In O Diabo (25.1.2016)

quarta-feira, janeiro 20, 2016

Obituário: Ettore Scola (1931-2016)


Marco incontornável da “comédia à italiana”, mestre da caricatura inteligente, mordaz e política à sociedade italiana, são os seus filmes em resultado de parcerias “históricas” com Sordi, Mastroianni, Gassman e Manfredi, aqueles que mais perto ficam do olimpo cá de casa. Personagem favorita? Indubitavelmente Giacinto Mazzatella, o zarolho, ditador e obsceno de «Feios, Porcos e Maus». (foto: logótipo da 1ª mostra “Piacere, Ettore Scola”, de 2014, por Antonio Mele)

terça-feira, janeiro 19, 2016

Filmes em revista sumária #529


Que seria de «Joy» sem a bochechuda e irresistível Jennifer Lawrence, e recentemente galardoada com o respectivo Globo de Ouro (e não se vai ficar por aqui…), é a dúvida que fica ao fim das duas horas do último filme de David O. Russell, que volta a desconcertar em mais um dos seus raios-X implacáveis e alucinados, mas bem-humorados, ao sonho americano (capitalismo?), no presente corporizado na histórica verídica de determinada milionária-cinderela (mas sem príncipe encantado), obra e graça de uma “esfregona miraculosa” e de uma tal de Televisão.

O filme é bom, que disso não restem dúvidas, mas a desarticulação habitual e deliberada (supõe-se), patenteada ao longo dos filmes do realizador de «Três Reis», desta vez é excessiva, havendo quebras desnecessárias (por vezes até parece que o som se vai…) entre cenas, por exemplo, entre o quotidiano daquela família disfuncional (há ali muita personagem e muita situação à la Wes Anderson) e a empresária para lá da esfregona, não permitindo a necessária “cola” para que tudo flua como deve fluir e, inclusive, o próprio ritmo do filme se mantenha estável e imune à bizarria de todo o resto.

Salvam-no os diálogos, por vezes endiabrados, e um elenco fora de série, liderado por Jennifer Lawrence, que desenvolve um conjunto de cambiantes digno de nota (parece mentira como tem apenas 25 anos…), mas também com o valente suporte de nomes como De Niro (que nunca será secundário), Isabella Rosselini (soberba!), Virginia Madsen (idem), Diane Ladd e Bradley Cooper, quiçá subaproveitado.

Melhor cena? A de Joy num hotel algures na Califórnia, confrontando o falsificador de patentes (personagem lynchiana?), a fazer lembrar os ajustes de contas nos westerns.

Resumindo, quem tem Jennifer tem tudo.


In Diabo (19.1.2016)

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Obituário: Alan Rickman (1946-2016)


Desapareceu uma das vozes mais carismáticas do Cinema e um dos melhores actores ingleses da actualidade. Inesquecível a sua prestação do vilão Hans Gruber, em «Die Hard», por sinal um papel que esteve à beira de recusar mas que o levaria ao estrelato no grande écran, já que no do palco já estava há muito tempo. Maldito cancro.

terça-feira, janeiro 12, 2016

Filmes em revista sumária #528

E pronto, lá vai Eddie Redmayne a caminho, muito provavelmente, de mais uma estatueta dourada no Dolby Theatre, em L.A., em mais um daqueles papéis a que por lá se costumam render, mais a mais num filme que, em vez de escalpelizar a peregrinação interior da transexual personagem principal (reduzida aqui a pouco mais que tiques e ademanes de uma Tootsie dos anos 20), se regozija numa aprimorada reconstituição histórica, caucionada no comprovado bom gosto de Tom Hooper (não confundir com Tobe…), que aqui é quem todo lo manda.

E se os cenários imaculados, verdadeiros e falsos, tanto faz, de «A Rapariga Dinamarquesa», bem como o seu cuidado guarda-roupa, são de encher o olho, a fotografia de Danny Choen e a música de Alexandre Desplat (ambos repetentes do anterior filme de Hooper, «O Discurso do Rei») são o complemento perfeito para este filme certo para uma tarde chuvosa de fim de semana sem programa alternativo.

O que sabe verdadeiramente a pouco (muito) é a escassa atenção dada à incrível história de vida real do casal de pintores Einar e Gerda Wegener, onde o filme foi beber, optando-se antes por tratar ao de leve a libertação de Einar em Lili Elbe, como se ao primeiro tivesse bastado um passar dos dedos pelo tule de tutu de bailarina para querer ser de facto a segunda. Ficaram também pela rama as técnicas pioneiras de operação de mudança de sexo, tal como as próprias telas de ambos os pintores, usadas estas apenas como berloques decorativos pelo realizador, o que é estranho dado o seu confesso entusiasmo pela história.

Alicia Vikander é uma Gerda claramente em perda para Eddie Redmayne, seja porque não conseguiu fazer melhor (olhos expressivos não implicam uma boa actriz) seja porque a maquilharam mal ao longo do filme, todavia, ela é o retrato do próprio filme: pastoso, repetitivo e sem chama, mas bonito.

Quanto ao Óscar, ele devia ir mas era para Teddy, o Jack Russell de serviço ao casal de artistas, pelo imenso que lhes terá aturado.


In O Diabo (12.1.2016)

terça-feira, janeiro 05, 2016

Top 10 dos filmes do ano


Por alturas de balanço de final de ano e de top mais, a dificuldade habitual: nem sempre os filmes “mais-que-tudo” em determinado ano são filmes desse mesmo ano. Porque na maior parte dos casos estrearam por cá com um ou mais anos de atraso relativamente à sua estreia mundial. Sendo assim, são eleições ainda mais subjectivas e a presente não foge à regra, uma vez que dela apenas 4 filmes foram produzidos e estreados mundialmente em 2015, enquanto 5 o foram em 2014 e 1 em 2013, imagine-se!

Acção:

«Mad Max: Estrada da Fúria», o brutalíssimo “western sobre rodas” do australiano George Miller, e melhor filme de acção desde há muito tempo a esta parte, é o grande vencedor e nº1 dos eleitos deste ano, ainda que contestável a pouca distância pelo 2º classificado (mas sem photo finish), «Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)», o belíssimo e onírico falso take único do mexicano Alejandro Iñárritu, que dá conta do “palco da vida” de Pessoa, e em que Michael Keaton volta ao nosso convívio pela porta grande, enorme. O 3º lugar cabe (à justa e ameaçadíssimo por «Sicário») ao mais recente produto nostálgico e barroco do italiano Paolo Sorrentino, «Juventude», que está impregnado de Thomas Mann e Greenaway e conta com Michael Caine e Harvey Keitel como velhos marretas da nossa estimação.

Seguem-se-lhes o já referido «Sicário», do canadiano Denis Villeneuve, que cavalga o filão do narcotráfico entre os EUA e o México, muito à custa de Benecio del Toro, e em 5º lugar a via-sacra da jovem Maria, no austero e opressivo «Estações da Cruz» (2014), do jovem alemão Dietrich Brüggemann.

Logo a seguir, vêm as férias na neve, de pesadelo, de «Força Maior» (2014), do sueco (só podia) Ruben Östlund, seguidos de muito perto pelo terrífico e carpenteriano «Vai Seguir-te» (2014), o rétro «Um Ano Muito Violento» (2014), de J.C. Chandor, «As Asas do Vento» (2013), a animação que se dizia a última do genial Miyazaki, e de «Sono de Inverno» (2014), do turco Nuri Bilge Ceylan, sobre o fogo que arde sem se ver.

Claquette!


In O Diabo (5.1.2016)

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Obituário: Vilmos Zsigmond (1930-2016)


É a morte de uma lenda, a quem devemos muito do brilhantismo de «Fim-de-Semana Alucinante», «O Caçador», «Sugarland Express» ou «Encontros Imediatos do Terceiro Grau». Um dos maiores.