terça-feira, novembro 14, 2006

Nariz entupido


Não tendo lido o livro de Süskind, mas sendo feroz defensor do meu nariz desde que li Gogol, foi com muita expectativa que dei por mim a direccionar o meu dito cujo para «Perfume, the Story of a Murderer», exercitando o meu olfato para lá do simples detectar de odor a pipocas e a sovaco que preenchia cadeira sim, cadeira não, da sala onde o filme passava - os best sellers têm destas coisas!

Vamos por fases: esta gigantesca produção alemã não fica a dever, em nada, às dos seus competidores americanos ou franceses, ou seja, o filme é mesmo uma estopada na maior parte do tempo, banal e estereotipada na reconstituição histórica da época, dos seus costumes e perversões (ambientes escuros como breu, desdentados por todo o lado, vapores saindo dos becos, meninos à la Dickens, etc., etc.). Tem uma ficha técnica impressionante, uma música a justificar a Filarmónica de Berlim, e cenários naturais (perto de Girona) a valerem por outros (a Grasse das flores). Se isso é suficiente para transpôr para a tela a(s) essência(s) do livro do alemão, não sei.

Só sei que do ponto de vista cinematográfico, este filme de Tom Tykwer é apenas um thriller medianamente construído (o suspense mora em apenas uma ou duas cenas), assimetricamente desenvolvido (a pituitária do assassino ingénuo e a(s) ruiva(s), e pouco mais), má exploração de actores como Dustin Hoffman ou Alan Rickman (o melhor actor é a voz ... de John Hurt), nunca chegando sequer a uma resposta plausível à questão essencial: como filmar um cheiro? Visualmente falando, a cena mais bem conseguida é a da orgia pasoliniana depois do contacto com a fragrância virgem do Amor. Dramaticamente falando, é a do encontro do protagonista (uma boa prestação de Ben Whishaw) com a ruiva das ameixas.

Voltando aos cheiros, que tudo o resto pouco importa, a mais valia real do filme (e, suponho, do livro) está na assumpção de que a virgindade tem cheiro (por contraponto ao estatuto de inodoro do assassino) e, mais importante, a pomba da paz e do amor reside no perfume da inocência. Uma bela solução para os males do nosso mundo.

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