segunda-feira, outubro 23, 2006

Que viva Maria Antonieta!

Que me lembre, esta «Maria Antonieta» de Sofia Coppola é "só" o melhor filme alguma vez dedicado à memória da raínha que nunca disse para darem brioches aos parisienses esfomeados, e que está longe de ter sido a megera que os discípulos de Marat resolveram "vender" à posteridade. Mas é mais: é também uma belíssima bofetada de luva branca a todos quantos teimam em manter-lhe a fama de execrável, debochada e conspiradora, no seu país de adopção, ou os outros, os que teimam em ignorar, de forma envergonhada, os martírios porque passou a filha dilecta da última grande imperatiz da Áustria, totalmente evitáveis se os seus irmãos tivesse agido como lhes competia. Mas vamos ao filme:

Historicamente, «Maria Antonieta» é um filme respeitador da verdade histórica (como tudo de subjectivo que isso possa ser ...), pelo menos da que vem nas enciclopédias e em bios insuspeitas, como é o caso da escrita pela pena fabulosa do austríaco Stefan Zweig. Mas é-o com pequenas «nuances», talvez por necessida de manter o ritmo do filme, exigências de tempo, ou porque era necessário a Sofia misturar o protocolo com o universo Pop, e alguns «miscast» (propositados?), como Daria Argento fazendo de Mme.Du Barry, Rip Torn como Luís XV, ou Danny Huston, como José II da Áustria. Algums pequenas mentiras e omissões? O início do romance com o sueco Fersen, que na realidade só começou depois dos 4 filhos terem nascido, e não antes. O excelente retrato que é dado do rei míope e barrigudo, que era Luís XVI. A morte de Luís XV, que na realidade morreu completamente coberto de pústulas, que o faziam mal-cheiroso por toda a Versailles. O esquecimento de episódios rocambolescos como a encenação do colar de diamantes; a fuga para Varennes; o envolvimento duplo de Mirabeau; as invejas do futuro Luís XVIII, Conde da Provença. A premonição de Goethe ao mirar o tapete que decorava o pavilhão nêutro onde Maria Antonieta passou a ser francesa. O destino trágico de Fersen. Etc. Tudo perdoável dada a excelência do objecto final, em que, afinal de contas, a habitual "verdade" dos estúdios norte-americanos ficou de lado.

Cinematograficamente falando, que dizer de um filme que é puro encantamento do princípio ao fim? A realização a meias (ou terá sido 90%-10%) entre os manos Coppola está verdadeiramente impecável, sempre com as melhores opções, no momento certo, no que é de realçar a fotografia assombrosa, quer nos interiores quer nos exteriores. A encenação, a reconstituição de época, o guarda-roupa, a gestão dos pormenores nos grandes planos (Maria Antonieta depois de consumado o casamento; tomando o primeiro banho; a sequência com Fersen; à janela da carruagem, durante o caminho para Paris (talvez a melhor cena de todas), mas também nas cenas de grupo (as caçadas, a ópera, o baile de máscaras, os jogos de salão, a coroação, as refeições). Ritmo em vários registos. Cor em város cambiantes. Música em sons diferentes: Rameau e Couperin para a pompa e circunstância. Os Air, Cure, New Order ou Siouxie and the Benshees para a folia. E quanto à tão falada mistura pop que Sofia dá ao filme, ao jeito de pontuação anti-tédio (os ténis no meio do acesso consumista da raínha por sapatos; os mascarados a dançaram ao som de música pop; etc.) é uma excelente opção, digna de uma grande realizadora, nada a opôr, antes pelo contrário.

Uma palavra final para Kirsten Dunst. Está de regresso aos grandes papéis, depois de uma fase de algum desperdício em prol de comédias, mais ou menos medianas. A partir de agora, a raínha guilhotinada passa a ter um rosto definitivo na tela, tal como Falconetti é o de Joana d'Arc. Já tinha sido Lux Lisbon, aquela virgem suicida que nunca mais nos deixa; agora ficou Antonieta...ainda bem que o filme não chegou à Conciergerie e à guilhotina... Óscar imediato para Kirsten!

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial