sexta-feira, março 19, 2010

Nos 60 anos do São Jorge (*)

Numa altura em que o Cinema São Jorge festeja 60 anos de idade, o bom seria que a Câmara Municipal de Lisboa, que é o seu proprietário; a EGEAC, que é quem o explora; e o Ministério da Cultura, que é por quem deve passar a supervisão da coisa “mercado de distribuição e exibição” de filmes, soubessem o que fazer com aquela que foi a sala mais chique de Lisboa. Comecemos pelo princípio.

O São Jorge foi projectado por Fernando Silva em 1948 e inaugurado em 1950. É Imóvel de Interesse Público desde 1989, e é-o tanto pelo arrojo construtivo (modernista tardio) em betão como pelo que está por detrás daquela fachada lisa e impessoal: uma notável elegância de espaços e proporções (escadarias, “hall” de entrada, plateia e balcões, iluminação, “foyer”, w.c., etc.), tal qual de decoração.

Meti lá o pé pela primeira vez ainda durante a Primária, finais de 60, numa sessão infantil de Carnaval ou de Natal, não recordo bem, mas lembro-me que subi ao palco improvisado para receber qualquer coisa, e depois vi um filme alusivo à comemoração. Tenho por mágoa não ter “nascido” a tempo da memorável estreia de «Sapatos Vermelhos», de Michael Powell, e, por isso, não me lembrar de alguma vez ter visto e ouvido o órgão que se elevava das profundezas do fosso durante os intervalos, pelos os anos gloriosos da Rank.

Mas lembro-me de lá ter visto centenas de filmes. Projectados naquele imenso “écran”. Desde aquela imensa sala, a maior parte das vezes desde uma das frisas do 1º balcão. A maior parte das vezes grandes filmes, precedidos de belos desenhos animados e de actualidades. Com boa casa, às vezes com lotação esgotada. Sofri quando o retalharam em três, por causa do vídeo e dos “multiplexes”, diziam. Por desleixo de quem nunca soube ou quis regulamentar o estrangulado mercado de distribuição e exibição cinematográfico, digo eu. Mas mesmo assim continuei a ir lá, tripartido.

Seja como for tenho saudades da sala única, cuja recuperação, aliás, foi prometida por João Soares quando os cidadãos o "obrigaram" a adquiri-lo e a abdicar da tentação de o deixar transformar em escritórios. Reconversão física que parece nunca mais vir, talvez porque quem de direito tenha receio da sua grandiosidade. É pena. Como é pena constatar que desde que está entregue à EGEAC, céus, o São Jorge tem levado de tudo menos daquilo para que foi feito, salvo em ante-estreias e festivais pontuais e até os velhos arrumadores foram “reciclados”. É pouco, muito pouco.

Por que não fazer do São Jorge a sala do cinema português? Em regime de semi-exclusividade, consolidado em intervenção estatal no mercado, com recurso a contrato de exploração por objectivos com privado que apresente c.v. compatível. E quando é que a Avenida da Liberdade volta a ser o que era?



(*) In Jornal de Notícias (18/3/2010)

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