sexta-feira, fevereiro 10, 2006

A montanha pariu o quê?

«Brokeback Mountain» é, acima de tudo, um excelente melodramático, e um não menos excelente «western». Mas um filme de «cowboys» da segunda metade do séc.XX, com tudo o que isso acarreta de bom e de mau. E é nessa perspectiva que deve ser visto, apesar de todos sabermos que, sinais dos tempos, não fora o «picante» que tem (independentemente de ser um condimento totalmente oportunista), provavelmente a atenção que este filme teria seria menos de metade daquela que tem conseguido nas parangonas da imprensa e no efeito boca-a-boca, não pelo imenso mérito cinematográfico que tem, mas pela coisa em si mesma.

Não que o filme seja veículo de propaganda do «lobby gay» (afinal de contas a coisa já foi filmada, em tom mais filtrado, subliminar, se se quiser; basta ver «Warlock», por ex.), ou de outro qualquer (o dos fabricantes de camisas de flanela aos quadrados, por ex.), que não o é, mas lá terá o seu «anexo de e-mail», de que só fará «download» quem quer. Por isso, neste filme (e é só disso que se trata), onde uns verão uma história de amor do mais clássico que Hollywood alguma vez nos deu; outros verão um precedente perigoso o desta montanha perversa; e outros ainda um filme sobre um caso tão escabroso e marginal quanto o dos pastores da Sardenha profunda que faziam sexo com as ovelhas, ao cair da noite, em «Padre Padrone» (1977), apenas curioso.

Voltando aos predicados do filme, é impossível deixar de registar a extraordinária fotografia, verdadeiramente assombrosa, do mexicano Rodrigo Prieto, e a capacidade de Ang Lee em lidar de forma objectiva e franca com os grandes espaços e com os cânones norte-americanos. Já os actores, uns estão mal (é disso exemplo um esforçadíssimo Heath Ledger), outros estão assim assim (Jake Gyllenhaal engrenou o piloto-automático desde «Donnie Darko»), e outro(a)s estão espantoso(a)s: Anne Hathaway e Michelle Williams, como mulheres traídas.

Mas feitas as contas finais, o que temos? Temos um filme que talvez um americano dos sete costados nunca teria feito, ou ousado fazer. Por isso o simbolismo de ter sido Eastwood, o pilar do protótipo do duro, a entregar o globo de ouro a Ang lee. O que dirá de tudo isto o verdadeiro «cowboy» dos anúncios da Malboro? Nunca saberemos!

5 Comentários:

Blogger Daniel Pereira disse...

Michelle Williams vai muito bem, de facto, mas Anne Hathaway discordo imenso. Ainda mais comparado com os dois actores que, na minha opinião, estão mutíssimo bem.

9:11 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Não gostei mesmo nada do Heath que me pareceu demasiado empenhado em representar fisicamente o cowboy obtuso e introvertido. Já o Jake, estou um pouco farto das suas performances em piloto-automático. Já à homónima da mulher do maior de todos os escritores, achei-a muito bem enquanto rapariga pulmão, maria-rapaz, substituta viril do marido. Só é pena aquela inenarrável caracterização enquanto mais velha;-)

3:04 da manhã  
Blogger Hugo disse...

Confesso que o Jake Gyllenhaal surpreende pela positiva, já o Heath Ledger é maquinal, no mínimo.

Ang Lee tem um grande mérito: contar uma história de amor e, acima de tudo, uma história de amor bem contada. E, conforme bem salientou, teve o mérito de não ter medo de contar a história de um amor homossexual.

É certo que Ang Lee se conteve, mas quando comparado com o maquinal Querelle - Ein Pakt mit dem Teufel de Fassbinder, é impossível não sair agradado com este filme. Uma fotografia belíssima, intercalada por uma história de amor contada com sensibilidade e em tom poético, p que leva a que o espectador esqueça, de certa forma, a homossexualidade.
Ang Lee mostrou mestria na realização desta história.

12:27 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Ah!, menciona, e bem, «Querelle», que foi um divertimento «kitsch» de Fassbinder, um cineasta mal olvidado mas que aí desiludiu bastante, por sinal pouco tempo antes de ter sido assassinado.

1:19 da manhã  
Blogger Hugo disse...

Exactamente! Muito mal olvidado. Talvez se deva ao facto de, mais ou menos na mesma altura, Werner Herzog e Wim Wenders terem começado a realizar...

Acresce que o facto de Fassbinder ser um enfant terrible do cinema germãnico não ajuda muito para que seja recordado. Hélas!

6:02 da manhã  

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