Filmes em revista sumária #347
Será mesmo «O Cavalo de Turim» o filme derradeiro do húngaro Béla Tarr? Oxalá não, que o Cinema precisa dele. Mas se assim for terá sido este o seu melhor testamento ao Cinema. Um filme que é um grandioso épico, que nos dá conta da vã e inglória luta pela sobrevivência que um pai, uma filha e um cavalo de carga, teimam em levar por diante, contra, simplesmente, a ira de Deus pelo que os homens de mal fizeram. Um filme belo como poucos, feito do silêncio, que vale ouro, das personagens, e do imenso barulho do vento e do pó que tudo sufoca (ah, «The Wind»!). Feito também de um ritornello musical, omnipresente, mas também feito e sempre daquela extraordinária fotografia a preto e branco, que praticamente só os maiores do Mudo nos souberam dar (tirar). Um filme que remete imediatamente para o universo de Dovjenko e para a sua, nossa, «Terra». Os grandes-planos, as mesmas cenas fotografadas de ângulos diferente. Os pormenores no detalhe, de um olhar (o pai que interroga a filha com o olhar), de uma encenação (o pai deitado, morto?). A mesma batata comida de forma diferente. O poço que seca sem explicação, as lamparinas que não deitam luz apesar de cheias. Por fim a escuridão, sem hipótese de recurso. E a morte. Nada que o cavalo não tivesse pressentido antes (a recusa em trabalhar, em comer, o semi-cerrar dos olhos), nada que o vizinho não tivesse avisado a pai e filha, e nada a que os ciganos não fugissem (pérolas, a referência “não queres vir connosco para a América?”, seguida da oferta da Bíblia à filha). O melhor plano? O rosto da filha à janela, entre cá e lá, de que Lang teria gostado. Melhor sequência? A inicial, em que cavalo e camponês, regressando a casa, em esforço, são acompanhados pela câmara ondulando, ao sabor do vento, também ela em esforço, abrindo e fechando o diafragma, nunca parando, conseguindo durante largos minutos a proeza de nunca nos cansar, filmando que está as mesmas personagens, sempre, mas sempre de forma diferente, ora aproximando-se, ora afastando-se, subindo e descendo, avançando, recuando. É uma sequência sublime, de um filme tão sublime quanto pessimista, crú e conformista. É o Zaratustra de Nietzche, só que em vez de 10 anos, em 6 dias. E Deus descansou ao sétimo dia… ou terá Ele morrido?
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial