terça-feira, abril 21, 2015

Filmes em revista sumária #498


Começando pelo fim, há que reclamar bem alto a Hayao Miyazaki que não devia ter-nos pregado a partida de anunciar publicamente a sua despedida do anime, pelo menos enquanto realizador, com «As Asas do Vento».

Logo agora que regressou à sua bitola, àquela que lhe deu fama e proveito, passados que estão 1-2 filmes de menor interesse. Esta é uma animação de sonho sobre o sonho do homem em querer imitar os pássaros, e da eterna perfídia daquele em dar uso inapropriado ao produto do seu próprio génio, no caso presente o avião, que de meio de voar para lá das nuvens vira bombardeiro e caça, destruindo e matando tudo, a começar pelos sonhos pacifistas do próprio autor, aqui realizador e argumentista.

«As Asas do Vento», contudo, antes de ser uma ode ficcionada à aviação japonesa e ao empreendedorismo de Jiro Horikoshi (engenheiro de vários caças japoneses para a 2ª Guerra Mundial, entre eles o famoso Mitsubishi A6M Zer), naturalmente inspirada pelo mítico estado da arte de Juncker e pelo romantismo de pioneiro de Gianni Caproni (aqui justa e profusamente homenageado), é uma bela história de amor, trágica, claro, não estivéssemos nós perante um filme de animação japonês, ou melhor, um filme sobre a alma japonesa. Miyazaki, aliás, regressa mais uma vez a memórias da sua própria infância e adolescência, nomeadamente à experiência do pai e do avô na indústria da aeronáutica militar e a tudo quanto presenciou no Japão desse tempo.

O filme tem momentos de uma beleza extrema, construídos sobretudo graças à fragilidade (física) das personagens, às constantes alegorias intemporais (não poucas vezes objecto da maior das crueldades), lado a lado com uma notável souplesse visual, mas também graças ao uso das cores vivas e da música de fundo, típicas do imaginário de Miyazaki.

Por tudo isto é profundamente injusto este pré-aviso de reforma feito por Miyazaki, logo agora que embaláramos no verso de Valéry que dá mote ao filme: «Le vent se lève!... Il faut tenter de vivre!».


In O Diabo (21.4.2015)

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