Filmes em revista sumária #553
O que começa por ser uma pantomina “empreendedora” rapidamente degenera numa “pescadinha de rabo na boca”, uma monumental espiral de violência, física e psicológica, uma tirânica trapaça de manipulação cruel entre duas (três, na realidade) famílias.
Uma, a vítima, muito “bem na vida” (os Park, quem mais?), que vive numa moradia desenhada por arquitecto-autor e está em permanente contacto com a luz e o verde, e uma outra, a agressora, que sobrevive nos basfonds da cidade (os Kim, quem mais?), sufocada na escuridão de uma cave infra-humana, e que tem como ganha-pão alguns “esquemas” que congemina.
«Parasite», o novo filme de Bom Joon-ho (também é co-autor do argumento), recente Palma de Ouro em Cannes, combina muito bem o tom de comédia e de sátira social com o drama, quantas vezes o terror, da realidade, do Humano, entre “raças” lá de baixo e cá de cima, numa espécie de Upstairs, Downstairs levado ao extremo, de certo modo autofágico.
O filme tem dois outros elementos muito poderosos: os actores (todos, mas com especial relevo para a belíssima prestação da versátil Jeong-eun Lee, no papel da governanta “legítima” e, claro, na do patriarca Kim) e a fotografia de Kyung-pyo Hong, mais uma vez imaculada (já o havia sido em «Em Chamas», de Chang-dong Lee).
A matriz da tomada de uma família por outra não será nova – basta lembrarmo-nos de «Harry, un ami qui vous veut du bien» (2000) ou «Brincadeiras Perigosas» (1997), para não irmos mais longe – mas é certo e certinho que quem com ferro fere… e se a apoteose sanguinolenta (habitualmente encenada de forma prodigiosa nos filmes coreanos) da festa de aniversário (será mais sacrifício?) era mais do que esperada, o resultado final desta luta de classes fraticida, parasitas uma da outra, entre vencidos e vencedores, só podia ser o que foi, ou talvez não.
Nota final para alguns verdadeiros “achados” de que ninguém se irá esquecer tão cedo: um dos “lá de baixo” que teima em urinar na janela onde os seus semelhantes habitam; estes a tentarem por todos os meios aceder ao Whatsapp, nem que seja em cima da sanita; e o cheiro especial a que se refere Park (fétiche?) relativamente a quem anda de metro …
A sequência da fuga dos Kim, humilhados e ofendidos, depois do banquete subversivo e sempre debaixo de uma chuva diluviana, é a parte mais bonita e dilacerante do filme.
2 Comentários:
Pois o fondo "noir" ficou bem melhor que as outras modernices da google....
Obrigado, amigo Júlio!
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