terça-feira, março 10, 2015

Filmes em revista sumária #493


Que não haja ilusões: quem não gostar de «Whiplash» é, como João Gilberto canta no seu samba, ou ruim da cabeça ou doente do pé. Aliás, não é qualquer filme que nasce para ser curta-metragem e se torna longa de um ano para o outro, fruto dos aplausos frenéticos com que foi recebido em Sundance, em 2013, ganhando, já na 2ª condição, o prémio do grande júri desse mesmo festival mas na edição do ano seguinte.

Também não é preciso ser-se fã de jazz para se ficar adepto deste filme de Damien Chazelle; ele que é mais um nome a ter em conta na lista já bem recheada da nova vaga norte-americana.

De facto, espectador que não se previna para «Whiplash» pode incorrer no risco de passar, não só, a ser colecionador frenético dos discos de Buddy Rich, quiçá o maior baterista jazz de todos os tempos, mas a tocar pratos e tambores em tudo quanto apanhe em casa. Fica feito o aviso.

Brincadeira à parte, «Whiplash» é um filme sobre a experiência traumática de um aprendiz de baterista no primeiro ano do Conservatório de Shaffer (tentámos vislumbrar tectos com buracos e paredes a cair como no de Lisboa, mas nada…) sob pressão da batuta-chicote brutal, frenética e ditatorial do seu professor. É baseado segundo Chazelle na sua própria experiência enquanto aluno de música. O certo é que se trata de um filme fabuloso, certinho, imaculado, em que o swing se faz de claros e escuros (o rosto das personagens, a superfície dos tambores, os pratos, e a sala de aulas e o vestuário do tirano Fletcher), e a bateria não pára de nos dar percussão da forte e boa, em investidas tortuosas do jovem mártir Andrew (muito bem, mesmo muito bem, Miles Teller), e ao fim de 15’ já não podemos passar sem bateria.

Por fim, uma menção especial ao eterno secundário de filmes e séries da tv, J.K. Simmons, que tem aqui o papel da sua vida. Óscar mais que merecido, por cada ruga inchada da sua testa e do pescoço, por cada berro jorrado em grande-plano, como que projectado de uma gárgula fantasmagórica do cimo de catedral gótica.

No final apoteótico e electrizante, ao som de «Caravan», a reconciliação é completa, comprovando-se o provérbio de quem porfia mata caça.


In O Diabo (10.3.2015)

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