Filmes em revista sumária #454
«Sob a Pele», de Jonathan Glazer, é uma parábola sobre a estirpe humana (onde, apesar de tudo, ainda é possível encontrar a virtude no meio de tanto negrume, nem que seja aos olhos de um extraterrestre); rodada numa Escócia sempre propícia a cenários tão belos quanto desoladores (veja-se aquele plano soberbo, à pincel de Caspar David Friedrich, do motard no meio da neve), mas o mistério (se é que o há) mantém-se por decifrar no meio daquela viscosidade negra, parecida a jazida de petróleo, maléfica e alienígena, onde se vão afogando os humanos seduzidos, hipnotizados e capturados, cirúrgica e metodicamente, por uma Scarlett do outro mundo, literalmente.
Personagens sós, sugadas num esfregar de olhos, reduzidas a papiro epidérmico, as pobres, cuja matéria se vai esvaindo inconscientemente numa viscosidade sanguínea, que corre como lava, não se sabe muito bem para onde (lembra a cena do sangue a jorrar junto ao elevador do Hotel Overlook, de Kubrick). Expurgo humano, sublimação da alma? É que ao contrário de «Predador» (1987), por exemplo, aqui nunca se chega a saber o porquê da caçada, o que, bem vistas as coisas, talvez nem interesse para o caso.
O problema é que esta mulher fatal, esta caçadora implacável, vira presa ao tornar-se humana no sentir e na emoção, no toque da pele, na compaixão por aquele terrivelmente deformado (não por acaso esta é a única presa a ver a sua predadora completamente nua), até não lhe restar alternativa que não seja entregar-se ao destino.
Resumindo, «Sob a Pele» é um filme extraordinário na verdadeira acepção da palavra, propício a opiniões antagónicas, mesmo inflamadas; que tem na fotografia, nos efeitos de som e na música inquietante (que lembra Ligeti mas também a que Rolfe Kent compôs para a série televisiva «Dexter») três elementos de truz. E Scarlett está assombrosa. Abençoado o filme que põe o espectador a pensar no que acaba de ver. Mas Kubrick só há um, o demiurgo de St. Albans e mais nenhum.
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