Filmes em revista sumária #473
«Em Parte Incerta» é o título português, mal achado e perdido na voragem de uma tradução “imaginativa”, do último filme da fabricação, reconhecidamente de qualidade acima da média, de David Fincher, autor marcado até aqui por «Seven-7 Pecados Mortais» (1995), primeiro, e por «Clube de Combate» (1999), depois, e que se espera o seja doravante por este mesmo:
À partida tudo apontava para um simples “who done it?”, mas na verdade trata-se da história de um amor doentio e cruel, partilhado por um casal em equilíbrio em fio-de-navalha, que é posto à prova, progressivamente, por uma série de charadas e ameaças (a criança frustrada que ela nunca deixou de ser, a diferença de status e de quase tudo entre ambos, a exposição mediática a que são submetidos, etc.), esgrimido em diálogos fora-de-série (talvez graças à dupla presença de Gilliam Flynn, argumentista e autora do “best seller” que o filme adapta) entre Rosamund Pike, finalmente reconhecida (vem aí um Óscar?) e o eterno canastrão Ben Affleck.
Fincher está nas suas sete-quintas a realizar este autêntico raios-X às cenas da vida conjugal de Amy e Nick, conseguindo que o espectador entre em jogo e se impregne do doloroso novelo, cena a cena, metendo-se na pele do investigador/a de serviço (outro clássico em Fincher), escalpelizando o “com a verdade me enganas” que cada um atira à sua cara-metade.
Fincher tira o máximo partido de todos os actores mas também da excelência da fotografia do repetente Jeff Cronenweth (filho de peixe sabe nadar…) e da música dos oscarizados Trent Reznor e Atticus Ross, chegando facilmente ao resultado que se desejava: um “come back” em grande, ainda que o filme quebre um pouco no desenlace final, talvez algo cansado de tanto “twist”.
O momento maior desta anatomia de um crime, contudo, cai fora do jogo principal, embora seja também fruto de outro jogo amoroso: o desenlace visceralmente sanguinolento da cena de amor com Desi Collings, o frustrado admirador de Amy, enquanto o segundo momento é o do grande-plano do rosto desta, abrindo e fechando o filme, ao som da voz-off de Nick.
In O Diabo (14.10.2014)
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