Filmes em revista sumária #506
Convenhamos que se já não é fácil transpor para a tela uma obra literária, seja ela qual for, muito mais difícil será adaptar ao grande écran um colosso da literatura intitulado “Madame Bovary”, uma obra profundamente dramática, cruel e erótica, e já de si provavelmente bastas vezes mal traduzida. Por isso tem que se dar um desconto à franco-americana Sophie Barthes, mais a mais tratando-se da sua segunda longa-metragem enquanto realizadora, até porque Flaubert terá sempre poucas afinidades com Manhattan ou Sundance…
A prova é que não é de agora a manifesta mediania da maioria esmagadora das relativamente poucas adaptações cinematográficas feitas sobre a novela (receio do papagaio de Flaubert?), cujo autor uma vez disse que «o melhor da vida passa-se a dizer “é muito cedo”, e depois “é muito tarde”».
E não será porque para ser um bom filme, ele tem obrigatoriamente que ser filmado em língua francesa – basta ver que a melhor Emma Bovary de sempre terá sido a que Jennifer Jones interpretou na versão americana de Minnelli, em 1949, se bem que o melhor filme possa ser o de Chabrol, de 1991, o que está longe de estar provado, preto no branco.
Aparentemente, esta adaptação de Barthes tem tudo para dar certo - a lente no ângulo certo, a fidelidade ao texto, diálogos em inglês com larachas em francês e até a Normandia é filmada- mas não terá o essencial, i.e., a credibilidade das personagens principais.
Desde logo a da personagem principal. Mia Wasikowska tem um ar de criança saída dos romances de Dickens do princípio ao fim, e dos amantes dela é melhor então nem falar porque dão vontade de rir. Não se vislumbra sequer a mulher-leoa que inflamava e trucidava todos quantos lhe passaram à frente. Desconhece-se o que lhe vai na cabeça e na alma. Falha também a narrativa, algumas vezes aos tropeções.
Resumindo, sente-se uma total apatia pelas personagens principais, e quando assim acontece é porque algo não correu lá muito bem. Que passe bem este casal Bovary…
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