terça-feira, novembro 26, 2013

Filmes em revista sumária #426


É no título à presente crónica sobre essa pequena pérola do cinema francês, ainda em exibição (tímida) nas nossas salas, chamada «De Bicicleta com Molière»; e que um desiludido mas peremptório Alceste, a páginas tantas, dispara a Filinto, seu amigo de longa data, na 1ª cena do Acto I de «O Misantropo», de Molière; que se resume a moral da nossa história: a sociedade é hipócrita; e se é verdade que ‘em cada esquina há um amigo’, também é verdade que amigos de Peniche (ou serão da onça?) há muitos, demasiados, que o digam os Alcestes deste mundo.

Louis Jouvet (talvez tenha sido o maior dos actores franceses, ex-aequo com Michel Simon) pode ter receado, justificadamente, aventurar-se por Alceste, como é referido neste simpaticíssimo e bem-humorado (quand même) filme de Philippe Le Guay; mas Fabrice Luchini apostou, arriscou e ganhou, sobretudo ao esforçado (nunca é tudo) Lambert Wilson, naquele ‘cara ou coroa’ que vai pontuando o filme, marcando as entradas em cena de cada um. Ganhou ainda porque encarna na perfeição o actor voluntariamente exilado do mundo (ainda que uma ilha a que se chegue por ponte não seja assim tão exílio), preenchendo a personagem de acordo aos tempos que correm e ao modo como hoje se fala (prodigiosa, a cena da boa ou má dicção…), ainda que apenas alguns trechos de peça tenham sido filmados e a espaços.

Uma fotografia belíssima (os grandes-planos dos actores durante os ensaios, e o aproveitamento estético e de luz dos interiores, sobretudo), e aquela reconhecida certeza de se estar perante um filme só possível aos franceses, fazem o resto, o resto fica na magia da canção de Montand que acompanha a melhor das cenas, com os dois amigos disputando ao sprint a vizinha italiana «On était tous amoureux d'elle, On se sentait pousser des ailes, A bicyclette…». No fim, o que conta somos nós.


In O Diabo (26.11.2013)

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