terça-feira, novembro 03, 2015

Filmes em revista sumária #521


Não é por falta de “tabuleiro” nem por causa do cronómetro que «O Prodígio» (mais uma tradução patética na linha da grande tradição lusa) é um filme falhado. Parece é que Edward Zwick, que é um realizador capaz de muito boas coisas, ficou como que refém do seu próprio jogo, não conseguindo sair daquela situação terrível que é: por mais que mova as suas pedras a situação só piora, porque ele só as move porque a isso é obrigado, que a sua vontade era deixar correr. No xadrez há um termo para isso: zugzwang.

Dito por outras palavras: parece que Zwick apenas nos quis entreter com um biopic engraçado daquele que foi o maior xadrezista norte-americano, senão mundial, de todos os tempos, filmando-o em registo policial à anos 70 e à Guerra Fria, passando-se o essencial do filme na Islândia, anfitriã do combate intelectual, do embate xadrezístico do século (tê-lo-á sido de facto?), entre Bobby Fischer e o então ainda soviete Boris Spassky, em 1972.

Zwick não se esqueceu das peripécias operáticas e rocambolescas de que todos nós também nos lembramos, e é inatacável em matéria técnica de aberturas, defesas e respectivas variantes. E a histórica 6ª partida aparece com a relevância que merece. Contudo, esqueceu-se de três coisas:

Que em matéria de compulsão, da frenética e demente compulsão em mover pedras rumo à loucura, já Pudovkin superara tudo e todos em 1925 com o superlativo «A Febre do Xadrez», e que relativamente ao “circo” montado em redor dos torneios mais importantes e dos campeonatos do mundo de xadrez, Richard Dembo fez «La Diagonale du Fou», em 1984, um filme muito mais cerebral e quiçá mais bem conseguido que este agora de Zwick.

Esqueceu-se ainda do fundamental: Tobey Maguire, por mais que abra os olhos ou se esganice, nunca dará um Bobby Fischer credível (já Liev Schreiber “é“ Spassky!), e não deu. Há os episódios mas não há mais nada, nem sequer a influência poderosa da Igreja de Deus em Fischer.

«O Prodígio» pode ser boa propaganda, inclusive em prol do xadrez, mas em termos de posteridade da Sétima Arte, queda-se algures entre um Jogo de Damas, onde o que vale é tomar peças ao próximo até que este fique sem nenhuma, e um empate por xeque perpétuo.


In O Diabo (2.11.2015)

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