quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Filmes em revista sumária #531


Hugh Glass é a personagem feroz central de «O Renascido», um mamífero primata, carnívoro, bípede, com capacidade de fala, que tem índole ou natureza de fera, é impetuoso e violento (in dicionário), e que uma vez separado para sempre do seu ente mais querido regressa dos mortos para a vida apenas com um fito: a vingança.

Leonardo di Caprio incarna bestialmente (Óscar imperdível, por certo) esse ser implacável e sanguinário que é Glass revertido, puxando pelo pior que há nele para resistir à mãe Natureza e às feras que o povoam, desde logo e acima de tudo à malvadez, ganância, traição e cobardia de um outro homem, este outro também representado de forma portentosa por Tom Hardy, esse excelente actor inglês, à conquista do Oeste.

É verdade que a resistência de um ser humano à adversidade dos Elementos, perdido na imensidão da paisagem da América do Norte profunda, já tinha sido posta à prova em filmes superlativos como «Jeremiah Johnson» (1972), de Pollack, ou «Man in the Wilderness» (1971), do sempre olvidado Richard C. Sarafian, sendo que neste último, inclusivamente, a história tem bastantes semelhanças com a de «O Renascido», mas convenhamos: o filme de Alejandro González Iñárritu é mesmo de outra galáxia, uma autêntica expedição de instintos e asfixiada de verde, à Herzog, fustigada por vento e neve, aquela por que passa o espectador:

Entranhamo-nos na lama e na água gelada do Missouri (no argumento), sobrevivemos a uma mãe-ursa furiosa (e que sequência notável essa é!) e às setas dos índios, em batalhas impróprias para “todas as idades”. E à carnificina a mais violenta, em que vale tudo, mesmo arrancar olhos. Deixamo-nos enterrar vivos quando Glass o é, temos chagas que não cicatrizam, comemos as entranhas de um bisonte acabado de morrer, arrancamos um pedaço de peixe pescado com as mãos e metemo-nos na carcaça de um cavalo para resistirmos à intempérie. Fotografia soberba, a de Emmanuel Lubezki, evidentemente, tal como soberbas são a montagem, a caracterização e a banda sonora de «O Renascido».

É um filme extravagante? Há excessivos excessos, desde logo uma incomensurável panorâmica e uma permanente cultura do músculo? E depois? Isto é cinema no seu estado mais puro.


In Diabo (2.2.2016)

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