Filmes em revista sumária #533
Feito o aviso, o «Quarto» que dá título ao poderoso filme do irlandês Lenny Abrahamson, pouco ou nada tem que ver com a barraca esquálida mas apetrechada dos serviços mínimos, em que estão enclausurados mãe e filho, após o rapto daquela, e onde apenas recebem a luz filtrada pela clarabóia e a visita do raptor para entrega de víveres e cobrança de outros “serviços”.
O «Quarto» de que aqui se fala, e que surge em sequência do êxito literário da escritora Emma Donoghue, é o mundo de Jack, o menino de cinco anos: o seu universo inteiro, porque nunca conheceu outro nem mais ninguém de carne e osso que não aquele e a sua mãe, mais o mosquito que o picou e o rato do campo que nele entrou por engano à procura de migalhas. Um mundo que é a soma da totalidade dos seres e dos corpos da sua existência em ausência de liberdade - nesse capítulo, «Quarto» seria a experiência laboratorial ideal de qualquer cientista demente, aprendiz de Pavlov.
Contudo, o melhor do filme não é a parte do encarceramento, longe disso, nem sequer o momento da previsível fuga (cuja sequência é digna do melhor thriller, aliás), mas sim a descoberta por Jack do mundo real, de um mundo novo para lá da ilusão do pequeno écran dos cartoons e das sabatinas da mãe, e é essa descoberta, por etapas e em crescente deslumbramento, que faz deste filme uma emoção.
«Quarto» é um filme optimista, que dá crédito a milagres e aos homens, ainda que a força desta família monoparental resida na mãe, primeiro, e na avó, depois. É por isso um filme actual. Duplamente, se nos lembrarmos das atrocidades do género que nos vão chegando pelos jornais e pela TV em relatos inacreditáveis, de um mundo real que custa a engolir.
Por fim, é ainda um filme de duas grandes actrizes, uma novata e uma veterana chamadas Brie Larson e Joan Allen, respectivamente, a quem o Óscar não podia assentar melhor, mas também de um pequeno-grande actor chamado Jacob Tremblay, um prodígio a quem se deseja boa fortuna.
Haja esperança neste mundo!
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