Filmes em revista sumária #459
Esta premiada co-produção hispano-canadiana chamada «O Homem Duplicado» (ibero-canadiana, se pensarmos que a mesma tem por base o título homónimo do português José Saramago), com argumento assinado pelo espanhol Javier Gullón e realização do canadiano Denis Villeneuve (já repararam quantos nascidos no país da folha de ácer têm este apelido?), é realmente um enigma perturbador, do primeiro ao último fotograma, fazendo jus aos escritos de alguns outros gigantes das letras, Dostoievsky e William S. Burroughs, por exemplo, onde a dupla de autores terá ido «beber», mas também ao cinema abundantemente alucinado de Cronenberg, também ele canadiano, por acaso, ou não.
À partida, a história parece banalíssima: um homem tem uma vida dupla, que, inocentemente, ignora, perdido que anda no meio das suas aulas de história e teoria política para universitário consumir, mirtilos gelados e «shows» eróticos secretos à «Eyes Wide Shut», mas que se torna gradualmente labiríntica e demente a partir do momento em que, na última daquelas cerimónias, uma tarântula é esmagado sob o salto-alto da «stripper» de serviço.
Contudo, é só aparência, rapidamente nos deparamos com algo de mais profundo: um imenso drama psicológico, uma teia alegórica (aranha-mulher-mãe), que cada qual interpretará ao seu bel-prazer, que enreda e absorve a personagem central (interpretada por um Jake Gyllenhaal sempre impressionante) de tal maneira que nem à bruta parece romper-se, e não rompe, de facto – é numa deixa da mãe (evidentíssimo, aliás, o piscar de olhos a «If I Were a Spider», da série Green Porno, da própria Isabella Rosselini) que reside a chave para se deslindar onde está a realidade.
Um filme que não dirá muito aos terra-a-terra, mas que é bom quebra-cabeças para quem gosta de conversar e de reflectir sobre o que acaba de ver. Em bom rigor, não há como escapar da aranha.
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