sexta-feira, dezembro 26, 2014

Filmes em revista sumária #483


«Mapas para as Estrelas» fala de mapas, sim, mas anamórficos, pois as suas personagens, longe de serem representativas do que interessa considerar como estrelas no espaço sideral de Hollywood e demais firmamentos da Sétima Arte (e vamos acreditar que sim), estão aqui muito longe sequer de terem luz própria, sendo maltratadas por David Cronenberg, nesta revisitação às suas obsessões de sempre, como sistematicamente confusas, complexadas, perdidas, pérfidas e deformadas.

Desta feita, o autor do inesquecível «Irmãos Inseparáveis» sai-se com o incesto, volta às imolações e aos fantasmas, às limusines, com Robert Pattinson ao volante, conduzindo (duplo sentido) à vez duas maníaco-depressivas, a Alice de Tim Burton (Mia Wasikowska) e Julianne Moore, aqui num papel imagina-se que duríssimo, em que pisca o olho a Norma Desmond , e que é seguramente o mais “incorrecto” desde «Safe», em 1995 ; e, claro, ao inevitável e tortuoso corpo humano (não é por acaso que as melhores cenas se passam nas sessões de psico-fisioterapia de Moore com John Cusack – céus, quanta tinta naquele couro cabeludo!). No cômputo geral, e o tempo o dirá, o melhor do filme são Verlaine, os fantasmas e a música de Howard Shore.

Talvez Cronenberg não se tenha dado bem nos E.U.A. e por causa disso a sua primeira rodagem por lá se arraste tempo de mais num registo monocórdico de uma narrativa pretensiosa e sem qualquer interesse para além de nos permitir bocejar com frequência – a páginas tantas o que mais se deseja é que alguém acabe com o sofrimento ao tal de Benjie (sátira à “estrela” Justin Bieber?) e àqueles seus papás insuportáveis. Seja como for, com «Mapas para as Estrelas», Cronenberg corre um sério risco: o deste filme se tornar num (ainda que pequeno) buraco negro de uma cinematografia de alguém que ganhou há muito um lugar mais que merecido no firmamento dos realizadores.

Nota de pé de página: fuja a sete pés da inenarrável curta portuguesa que precede a exibição de «Mapa para as Estrelas», quem o avisa seu amigo é.


In O Diabo (23.12.2014)

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