terça-feira, janeiro 20, 2015

Filmes em revista sumária #486


O tempo passou e nesta altura é extremamente difícil apurar, de memória, se a Palma de Ouro de Cannes de 2014 foi ou não justamente atribuída a «Sono de Inverno», tendo em conta a concorrência directa, ou se o prémio foi só para homenagear os 100 do cinema turco (e, por arrastamento, o seu teatro, se pensarmos que o protagonista tem entre mãos a escrita da História do Teatro Turco…). Pouco importa.

O que importa é que «Sono de Inverno» é um filme belíssimo sobre o amor, fogo que arde sem se ver, como diria o poeta, lentamente, no microcosmos de um actor reformado, junção de dois universos, o real e o ficcional, entre nevoeiros e neves, mas também entre duas Turquias, a ocidental e a oriental, respectivas morais, maneiras de ser e de sentir. Um filme que fala da velhice e a loucura (como lembra o protagonista no final) - não é por acaso que nos créditos finais se referem os nomes de Chekov e Dostoievksy, mas também de Shakespeare. Inclusive, não ficaria mal uma referência à poética japonesa.

Nova grande obra de Nuri Bilge Ceylan (a mais recente tinha sido «Era Uma Vez na Anatólia», em 2011) em honra de um grande país chamado Turquia, e mais uma vez com a câmara assombrosa de Görkhan Tiryaki. Desta vez com acompanhamento ao piano da 20ª sonata de Schubert, e logo por Alfred Brendel.

Os actores são brilhantes e há cenas intimistas memoráveis como a da discussão entre marido e mulher, no quarto desta, ou a da ida daquela a casa dos inquilinos para ver o menino doente. Ou aqueloutra na casa do amigo do actor, com o professor, os três bastante tocados. Mas a haver uma cena para a posteridade, essa só pode ser a da captura do cavalo selvagem, pelo simbolismo e pela premonição. Pergunta-se: será que «Sono de Inverno» seria a maravilha filosófica que é se não o tivesse sido naquele cenário lunar da Capadócia, naquelas estepes que Gogol não desdenharia? Talvez não. Mas as coisas são como são. E estas mais 3h e 17’ passam num ápice - haverá melhor indicador para um filme?


In O Diabo (20.1.2015)

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