Filmes em revista sumária #487
A diferença de classe social, o fanatismo religioso, etc., personagens marionetas de uma espécie de pantomina consciente permanente, à qual a Natureza e Deus servem de contraponto; eis a mira da sua escrita anti-convencional e arrojada, politicamente incorrecta, como agora se diz.
Nessa perspectiva, o filme cumpre integralmente, através de uma encenação meticulosa e perfeita, que privilegia a palavra e a expressão, não fossem a palavra e a emoção elementos distintivos da escrita superlativa do sueco: «Miss Julie» é, portanto, um filme da palavra e de actores.
Só que a Irlanda não é a Escandinávia (mau grado a austeridade da mansão senhorial onde as cenas se passam, e da beleza fria, mais outonal do que estival, dos cenários naturais), nem Colin Farrell mais o seu sotaque irritante chegam sequer aos calcanhares (pelo menos desta feita) de Jessica Chastain e Samantha Morton, ambas a merecerem aqui, claramente, nomeações aos prémios da Academia (a primeira, pelo seu melhor e mais difícil papel até hoje, e a segunda tirada a papel químico de um filme de Carl Dreyer – haverá melhor elogio?).
É um filme manco, que fica aquém do que podia ser: a versão definitiva, em cinema, de «Miss Julie». Mesmo assim há momentos sublimes, como a cena da sedução, logo do começo, a da consumação no quarto do criado, e da erupção violenta, na cozinha, com uma Jessica Chastain magnificamente desamparada entre a culpa e o desespero, o arrependimento e a perdição. Como magnífico é aquele portão, símbolo-fronteira entre o público e o privado, o íntimo e o ostensivo, a menina e a mulher.
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