terça-feira, julho 08, 2014

Filmes em revista sumária #460


Reduzir-se «Locke» ao espantoso «one man show» que Tom Hardy consegue neste filme de estreia de Steven Knight, é injusto, desde logo para com a excelência do argumento e da realização – prender-se o espectador do princípio ao fim da maneira que o realizador consegue neste filme minimalista, de modo tão original e com tamanho bom gosto, é obra (o recurso a uma câmara hiperactiva e imaginativa talvez tenha sido a chave do sucesso); ingrato, uma vez que o realizador dá uma tremenda lição de como fazer muito bom cinema sem recorrer a exorbitâncias e extravagâncias, e redutor, pois o título do filme não está lá por acaso, a ideia é mesmo remeter o espectador mais atento para o postulado do filósofo homónimo: o de que à nascença somos um conjunto vazio, nada, e que só à medida que vamos tomando consciência e ganhando experiência nos vamos moldando, por nós próprios, como seres humanos – daí a vontade férrea do protagonista em não querer ser igual a seu pai.

Além disso, se Tom Hardy é omnipresente e é (tem aqui uma interpretação riquíssima, enquanto Ivan Locke, usando de uma paleta dramática de expressões e impressões, de uma força impressionante), o filme não seria o mesmo se não tivesse o “apoio” da plataforma de comunicação para distâncias curtas (são cerca de 200km entre Birmingham e Londres) denominada Bluetooth (passe a publicidade), que lhe (nos) permite a interacção com uma série de vozes, também elas de uma tal tensão dramática que rapidamente se transformam em personagens de carne e osso, com alma.

Moral da história: uma decisão mal tomada (no caso, «a diferença entre nunca e uma vez é a diferença entre bem e mal») pode implicar alterações terríveis nas nossas vidas. Irreversíveis? Nem por isso.


In O Diabo (8.7.2014)

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