terça-feira, julho 22, 2014

Filmes em revista sumária #462


Desengane-se quem for ver «O Teorema Zero» a pensar nalguma sequela, ou actualização, do já mítico «Monty Python, O Sentido da Vida» (1983). É que, se à partida havia uma dupla coincidência entre ambos filmes – os realizadores, Gilliam e Jones, partilham do mesmo nome próprio, e o dito sentido é também agora o centro das atenções neste filme de Terry Gilliam- a verdade é que apenas a coincidência de nomes pode sustentar tal ilusão.

«O Teorema Zero» é um filme claramente de Gilliam e de mais ninguém. E se o autor daqueles portentosos intercalares, feitos de colagens animadas mais ou menos toscas, que marcaram de forma corrosiva e indelével a saudosa série «Monty Pyhton, Flying Circus», conta já com 73 anos, ele mantém intacta a sua irreverência, embora, naturalmente, a tendência seja para se plagiar a si próprio, encalhando nalguns dos detalhes que marcaram os seus filmes mais notórios (a careca de Waltz é a de Willis, em «Os 12 Macacos», a rapariga da «pizza» é a dos telegramas cantados de «Brazil», os tubos para «download», idem, etc.) – e demos graças por ter enterrado o psicadelismo de «Fear and Loathing in Vegas».

Ao invés das partes gagas que glosavam, com apurado sentido humor, o tal «sentido da vida» em 1983, a coisa agora é por séria e simbólica, entre sagrado e profano – o protagonista, Qohen Leth, vive numa antiga igreja e dorme nos tubos do órgão, voz de Deus, e na cabeça de Cristo está uma câmara de videovigilância, ligada ao «patrão» de Leth -, esotérica, pessimista: só mergulhando no vórtice negro (o poço, por contraponto à luz) do seu desafio pessoal (revisitação do anjo de «Brazil»?), ele alcançará o sentido da vida, depois de conhecer, enfim, sacrificar, o amor real, proporcionado cibernauticamente, em visão paradisíaca a dois.

Lição para as redes sociais e para o vício do dedilhar frenético das teclas dos nossos dias? Sim. Há poesia no filme? Sim. Todos nós esperamos por um telefonema que nos explique o sentido da vida? Claro. A equação que nos move é resolúvel? Talvez. Acaba mal, pois acaba, é inevitável.

Já «nos» íamos esquecendo: Christoph Waltz é um actor superlativo; encontrado tardiamente (Leth também), mas ainda a tempo, uf. Tilda Swinton está um deslumbramento, virtual.


In O Diabo (22.7.2014)

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