terça-feira, abril 28, 2015

Filmes em revista sumária #499


Convenhamos que o melhor desta «Suite Francesa», realizada pelo londrino Saul Dibb (e ele vinha de «A Duquesa», com Keira Knightley) não é tanto a dramática história de amor (algo diferente de colaboracionismo) na França ocupada, entre uma francesinha das proximidades do Luxemburgo e um oficial da Wehrmacht, história vulgar de Lineu e por demais déjà vue e de desfecho previsível, mas a capacidade que a equipa técnica (fotografia, música de fundo, diálogos, encenação) teve, e conseguiu, em não permitir que o filme descambasse na pirosice do costume, mais coisa menos coisa, sempre que se faz um filme com romances impossíveis em tempo de guerra.

Claro que «Suite Francesa» tinha todos os pré-requisitos aos Óscares, não fosse ela produzida pela Weinstein Co., meter a 2ª Guerra Mundial e um manuscrito (incompleto, ao que parece) de Irène Némirovsky, escritora judia que acabaria por sucumbir em Auschwitz, também ele objecto de uma história digna de filme até à sua publicação em 2004, e ter além disso um punhado de actores e de performances de encher o olho, com Michelle Williams e Kristin Scott Thomas à cabeça mas não só (Lambert Wilson, por exemplo, compõe uma personagem, toda ela uma charge à França, sobretudo à colaboracionista de Vichy). Só que chegou atrasada às nomeações pelo que deve transitar para o ano. E daí?

Pelo meio, registe-se também a excelente recriação da vida em comunidade, capaz do melhor e do pior, com personagens, todas elas, credíveis e apuradas, dignas de figurar em apurado estudo sociológico da melhor das universidades de nomeada.

Ah, é verdade, a suite romântica propriamente dita, que dá título ao filme e lhe serve de verdadeiro prelúdio, é bastante bonita e a gente acredita que foi composta por quem foi, independentemente de só poder ser de inspiração francesa...

In O Diabo (28.4.2015)

sexta-feira, abril 24, 2015

"Memento" (2000), revisão em alta:


I can't remember to forget you.
We all lie to ourselves to be happy.

terça-feira, abril 21, 2015

"High Plains Drifter" (1973)


I like chicken, fried.

Filmes em revista sumária #498


Começando pelo fim, há que reclamar bem alto a Hayao Miyazaki que não devia ter-nos pregado a partida de anunciar publicamente a sua despedida do anime, pelo menos enquanto realizador, com «As Asas do Vento».

Logo agora que regressou à sua bitola, àquela que lhe deu fama e proveito, passados que estão 1-2 filmes de menor interesse. Esta é uma animação de sonho sobre o sonho do homem em querer imitar os pássaros, e da eterna perfídia daquele em dar uso inapropriado ao produto do seu próprio génio, no caso presente o avião, que de meio de voar para lá das nuvens vira bombardeiro e caça, destruindo e matando tudo, a começar pelos sonhos pacifistas do próprio autor, aqui realizador e argumentista.

«As Asas do Vento», contudo, antes de ser uma ode ficcionada à aviação japonesa e ao empreendedorismo de Jiro Horikoshi (engenheiro de vários caças japoneses para a 2ª Guerra Mundial, entre eles o famoso Mitsubishi A6M Zer), naturalmente inspirada pelo mítico estado da arte de Juncker e pelo romantismo de pioneiro de Gianni Caproni (aqui justa e profusamente homenageado), é uma bela história de amor, trágica, claro, não estivéssemos nós perante um filme de animação japonês, ou melhor, um filme sobre a alma japonesa. Miyazaki, aliás, regressa mais uma vez a memórias da sua própria infância e adolescência, nomeadamente à experiência do pai e do avô na indústria da aeronáutica militar e a tudo quanto presenciou no Japão desse tempo.

O filme tem momentos de uma beleza extrema, construídos sobretudo graças à fragilidade (física) das personagens, às constantes alegorias intemporais (não poucas vezes objecto da maior das crueldades), lado a lado com uma notável souplesse visual, mas também graças ao uso das cores vivas e da música de fundo, típicas do imaginário de Miyazaki.

Por tudo isto é profundamente injusto este pré-aviso de reforma feito por Miyazaki, logo agora que embaláramos no verso de Valéry que dá mote ao filme: «Le vent se lève!... Il faut tenter de vivre!».


In O Diabo (21.4.2015)

terça-feira, abril 14, 2015

"Driver" (1978), revisão em alta:



The Detective: I really like chasing you.
The Driver: Sounds like you got a problem.

Filmes em revista sumária #497


Alice Rohrwacher é uma toscana de pai alemão, que resolveu filmar uma Itália nos antípodas da retratada com sofisticação no portentoso e oscarizado filme de Sorrentino («A Grande Beleza»), mas igualmente decadente e sem futuro aparente, fazendo-nos imergir, nesta sua segunda longa-metragem, num «País das Maravilhas» (recado evidente para o universo de Carroll) dos anos 80-90, num final de Verão em registo flower power.

A história resume-se ao seguinte: um pai tirano (alemão, claro), faz o que quer da mulher, das quatro filhas e de uma outra alemã, incutindo-lhes no espírito que devem abdicar da cidade e abraçar o campo, como apicultores, não de abelhas mas de vespas. O problema é que, se as condições de higiene e salubridade exigíveis a uma empresa assim (já nesse tempo!) são um obstáculo de pêso para a sobrevivência da empreitada, já a tirania obsessiva do pai (que teima em dizer “as minhas filhas são livres”) corta cerce toda e qualquer veleidade de descoberta e de sonho das filhas, sobretudo da mais crescida, a adolescente Gelsomina (aceno a Fellini), a verdadeira chefe de família.

Que Alice tem jeito, isso é inegável, e qualquer dia há-de nos presentear com uma maravilha, mas ainda não foi desta. O «País das Maravilhas» deslumbra aqui e acolá, muito por força também da excelente fotografia de Helene Louvart - na ida de barco rumo à ilha para o concurso, durante todo o concurso (o momento mais felliano do filme), nas aparições (dignas do melhor surrealismo de Buñuel) dos caçadores rompendo a penumbra dando de caras com uma casa fantasmagórica (“que esteve sempre ali”) e do camelo (- Ti piaceva un cammello? – sì, da piccola), ou, claro, no final do filme, iniciático e enigmático, propício a mil e uma interpretações, mas são momentos, porque no mais, infelizmente, dá relativamente pouco. Esperemos que fique para a próxima, de preferência também com a outra Rohrwacher, a mana Alba?


In O Diabo (14.4.2015)

"Control" (2007), revisão em alta:


Existence is... Well, what does it matter? I exist on the best terms I can.
The past is now part of my future. The present is well out of hand
.

(por Sam Riley, via Anton Corbijn, acima, e pelo verdadeiro Ian Curtis, em baixo)

sábado, abril 11, 2015

"The Getway" (1972)



Punch it, Baby!
Sempre.

terça-feira, abril 07, 2015

Filmes em revista sumária #496


Oscilando entre «O Dia da Marmota» e «Memento», i.e., algures entre a comédia burlesca inofensiva e o thriller amnésico-psicológico, este filme realizado pelo filho de Roland Joffé, de seu nome Rowan, tem um par de protagonistas digno do melhor dos realizadores (Nicole Kidman e Colin Firth!), pena é que não o seja e do talento e estrelato deles apenas use e abuse.

No entanto, «Antes de Adormecer» mantém o interesse do espectador, puxando pela tensão arterial do mais resistente, conseguindo uma bitola claramente acima da média para este tipo de filme, até 3/4 dos seus 90’, mas começa a entrar em falha irreversível, a partir do momento em que a acção sai à rua, deixando o ambiente huis clos da casa (e telefone) do casal, melhor, de mulher-marido-médico. Segue a pique e bate no fundo em pleno clímax, quando se descobre o criminoso e o registro muda de agulha.

Esta é uma daquelas histórias que teria tido muito mais a ganhar se tivesse resistido ao plausível e ficado no domínio do implausível. Isto é, se rodaram dois finais, o bom e o mau, este último devia ter sido o escolhido. Também se aconselha o espectador a não tentar puxar o fio à meada com muito empenho, porque não há resposta para coisas básicas como: “com que dinheiro e como é que a Christine ia até à cidade?” ou “a polícia inglesa andou a dormir na forma?”.

Sobre as estrelas de serviço, que são o que aqui mais interessa, e começando por Nicole: se os seus olhos continuam iguais a si próprios e a merecer os “zooms” os mais variados e sugestivos, e mais uma vez se prova que, mau grado as más-línguas, continua uma excelente actriz, já não era preciso ter posto aquela cabeleira tão desgrenhada para nos fazer ver o quão sofria diariamente antes de adormecer, que já se percebera. Já Firth, é raro estar menos que perfeito.

Concluindo, sim, é verdade: Polanski, por exemplo, teria feito uma pequena maravilha com esta matéria-prima. Assim, é o que se vê, vê-se e não é mau.


In O Diabo (7.4.2015)

quinta-feira, abril 02, 2015

Obituário: Manoel de Oliveira (1908-2015)


«Prefiro o paraíso pelo clima e o inferno pelas companhias.»