quarta-feira, dezembro 31, 2014

Filmes em revista sumária #483


A grande pergunta que se impõe sobre «O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos» é se os dezanove capítulos das 259 páginas de «O Hobbit» (edições Europa-América), de Tolkien, dão para três filmes, cada qual com 3 horas de duração, mais coisa menos coisa? A resposta é: não. É desse mal que sofrem os três filmes de Peter Jackson dedicados às aventuras do herói do Shire, e em especial este último, agora estreado entre nós como “sucesso de Natal”. Curiosamente, os três volumes de «O Senhor dos Anéis» teriam dado para o dobro dos filmes, mas isso é outra história.

Não será, pois, de estranhar que o filme em apreço pouco ou nada nos traga de novo em relação aos dois que o antecederam, como o penúltimo já pouco trazia em relação ao antepenúltimo, sendo este agora apenas um corriqueiro enxerto de pancadaria nos broncos dos orcs, ao sabor do último grito dos efeitos especiais e numa berraria pegada, praticamente do princípio ao fim. A história, essa perdeu-se algures nas brumas de Sauron e já nem os sublimes elfos ou os anões patuscos chegam para manter viva a chama de um filme que logo se percebe ser redundante – o dragão Smaug que o diga (e daqui as minhas desculpas a Benedict Cumberbatch!). Mesmo assim, Gandalf ainda é o que se sai melhor (por obra e graça de Ian McKellen) deste caldo desenxabido de Peter Jackson, cujo caldeirão de “sucessos de Natal” parece ter chegado ao fim (aleluia!).

Por falar em filmes de Natal, que saudades das simplórias patuscadas do Cantinflas, no Éden, ou das reprises de «Quo Vadis» ou «Ben-Hur» ali pelo Monumental, que se foi também. Bem que seria curioso ver hoje alguém dos ainda vivos São Jorge e Tivoli, apostar no cinema de reprise durante as quadras festivas, e assim dar a ver e rever a todos algumas pérolas que já nunca mais se fizeram.


In O Diabo (30.12.2014)

terça-feira, dezembro 30, 2014

Os meus filmes de 2014:

1. «La Grande Belezza» (Paolo Sorrentino)
2. «Under the Skin» (Jonathan Glazer)
3. «The Grand Hotel Budapest» (Wes Anderson)
4. «Locke» (Steven Knight)
5. «American Hustle» (David O. Russell)
6. «Gone Girl» (David Fincher)
7. «Ida» (Paweł Pawlikowski)
8. «Borgman» (Alex van Warmerdam)
9. «All Is Lost» (J. C. Chandor)
10. «Violette» (Martin Provost)

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Filmes em revista sumária #483


«Mapas para as Estrelas» fala de mapas, sim, mas anamórficos, pois as suas personagens, longe de serem representativas do que interessa considerar como estrelas no espaço sideral de Hollywood e demais firmamentos da Sétima Arte (e vamos acreditar que sim), estão aqui muito longe sequer de terem luz própria, sendo maltratadas por David Cronenberg, nesta revisitação às suas obsessões de sempre, como sistematicamente confusas, complexadas, perdidas, pérfidas e deformadas.

Desta feita, o autor do inesquecível «Irmãos Inseparáveis» sai-se com o incesto, volta às imolações e aos fantasmas, às limusines, com Robert Pattinson ao volante, conduzindo (duplo sentido) à vez duas maníaco-depressivas, a Alice de Tim Burton (Mia Wasikowska) e Julianne Moore, aqui num papel imagina-se que duríssimo, em que pisca o olho a Norma Desmond , e que é seguramente o mais “incorrecto” desde «Safe», em 1995 ; e, claro, ao inevitável e tortuoso corpo humano (não é por acaso que as melhores cenas se passam nas sessões de psico-fisioterapia de Moore com John Cusack – céus, quanta tinta naquele couro cabeludo!). No cômputo geral, e o tempo o dirá, o melhor do filme são Verlaine, os fantasmas e a música de Howard Shore.

Talvez Cronenberg não se tenha dado bem nos E.U.A. e por causa disso a sua primeira rodagem por lá se arraste tempo de mais num registo monocórdico de uma narrativa pretensiosa e sem qualquer interesse para além de nos permitir bocejar com frequência – a páginas tantas o que mais se deseja é que alguém acabe com o sofrimento ao tal de Benjie (sátira à “estrela” Justin Bieber?) e àqueles seus papás insuportáveis. Seja como for, com «Mapas para as Estrelas», Cronenberg corre um sério risco: o deste filme se tornar num (ainda que pequeno) buraco negro de uma cinematografia de alguém que ganhou há muito um lugar mais que merecido no firmamento dos realizadores.

Nota de pé de página: fuja a sete pés da inenarrável curta portuguesa que precede a exibição de «Mapa para as Estrelas», quem o avisa seu amigo é.


In O Diabo (23.12.2014)

terça-feira, dezembro 16, 2014

Filmes em revista sumária #482


Com um argumento muito rebuscado, bastante inverosímil e piroso (em plena Depressão, um menino rico decide ser madeireiro nos confins dos bosques da Carolina do Sul, para ganhar dinheiro de modo a arrasar com o verde do Amazonas, tem um “fétiche” por matar onças e casa com uma amazona platinada, maculada por trauma de infância, por quem se deixa manietar até à loucura fatídica), «Serena» não consegue disfarçar o seu “handicap” da novela de quiosque foleiro, perdendo-se no meio do imenso arvoredo (fálico, como Bénard da Costa o apelidaria) que lhe serve de cenário natural. Muito menos chega sequer a tirar proveito do par de eleição que é a dupla de galardoados Bradley Cooper & Jennifer Lawrence, aqui nitidamente em férias de papéis “a sério”. Culpa de Susanne Bier, a realizadora.

Curiosa, e felizmente, tamanha empreitada do madeireiro Cooper, em prol da criação de emprego local e do progresso (onde é que já ouvimos isto?), esbarra sistematicamente na oposição decidida, ainda que pouco musculada, da liga da natureza lá do sítio, que está empenhada em evitar que tamanho empreendedorismo mande às urtigas aquele imenso património verde secular. Pelo meio há uma intriga amorosa digna de romance depressivo-obsessiva, muita gula e traição, boas fotos da paisagem, mas no final só ficam as árvores. Ainda bem.

Tobey Jones tem mais um daqueles papéis secundários que nos deixam revoltados com o facto dele nunca ter o principal, e há algumas cenas onde Jennifer Lawrence e Bradley Cooper (sobretudo ela, veja-se aquela dela sozinha no quarto de hotel, ao espelho, preparando-se para descer para jantar) dão um ar da sua graça, mas sempre q.b.

No cômputo final, «Serena» tem um título mais que do apropriado… e nestas coisas dos dramas rurais e montanheses durante e no pós-Crash de 1929, continua a valer muito mais um episódio da série televisiva The Waltons (1971-1981), para quem goste, claro, que não é o caso.


In O Diabo (16.12.2014)

segunda-feira, dezembro 15, 2014

"O Caçador de Trolls", uma bela surpresa via TV


Ainda que sob o efeito «Blair Witch Project», este filme norueguês de 2010 é um belíssimo filme de terror e confabulações, que merecia muito mais do que apenas a transmissão TV cabo de há dias.

terça-feira, dezembro 09, 2014

Filmes em revista sumária #481


Só quem a vive, à perda, o pode ter, ao sentimento dela, e aquilatar do drama daquela e de quão terrível este pode ser. E é do sufoco desse labirinto pessoal, tantas vezes intransmissível, que nos dá conta «O Desaparecimento de Eleanor Rigby: Eles», o filme-estreia de Ned Benson, feito história de amor com “A”. Um amor por vezes involuntariamente tortuoso, fruto de um complexo de culpa imaginário e recíproco, num filme que é um “puzzle” de detalhes e delicadezas, onde nem interessa saber bem o porquê das várias pontas soltas do enredo, o que interessa mesmo é cuidar daquele casal, “deles”, dele e dela, e resgatá-los aos destroços da/s célula familiar.

Neste melodrama, que bem podia ter saído da “Nouvelle Vague”, nunca a narrativa envereda pela linearidade vulgarmente clássica nem a câmara acusa o plano fácil e já visto, apesar de estar sempre presente um nó no estômago de quem assiste ao desenrolar dos acontecimentos inevitáveis, que se vão sucedendo, dolorosamente. Torce-se por um desfecho feliz para aquelas personagens, tão reais e tão ricas, e que tão bem o merecem.

Sobre outros merecimentos, refira-se que deve vir por aí outra nomeação para Óscar a caminho de Jessica Chastain, completamente merecida, aliás, a uma actriz que é de facto extraordinária e de cujo rosto fresco a objectiva é incapaz de descolar. Dele, Jim McAvoy, não se pode dizer que destoe assim tanto da parceira, até porque funcionam na perfeição como casal, mesmo assim, porém, destoará sempre muito mais do que a fotografia de Christopher Blauvelt ou a banda sonora de Son Lux, ambas, tal como a ruiva, excepcionais. William Hurt faz um solilóquio dos seus, e à Huppert é-lhe destinado um dos “clichés” preferidos pelos americanos: o da francesinha atrevida, sistematicamente de copo na mão e formatada pelo Maio de 68, sendo este talvez o único senão do filme. Porém, é um mero detalhe, pelo que no final só há razões para termos boas expectativas para o próximo filme de Ned Benson!


In O Diabo (9.12.2014)

terça-feira, dezembro 02, 2014

Filmes em revista sumária #480


Já vai longe o tempo em que havia que estar no local certo à hora certa para se ter a notícia em cima do acontecimento, e quem diz isso diz a fonte fidedigna que possibilitava o maior dos exclusivos. A disputa mediática sobre quem consegue o melhor “furo”, em horário nobre ou em directo (melhor ainda), está para durar, basta vermos as notícias de abertura dos telejornais, as manchetes dos jornais (e a coisa já não é exclusiva dos pasquins). A culpa será do mercado que é, como quem diz, de que quem as vê e devora qual animal de rapina: nós. E se os criadores dos factos políticos estão ao virar da esquina, já pouco falta para nos rendamos a quem fabrique a sua própria notícia, tal o mundo-cão a que chegámos.

Daí que «Repórter na Noite», realizado por Dan Gilroy (argumentista de filmes de acção e marido de Rene Russo), provoque um amargo de boca constante, porque “aquilo” (o filmar em cenário real os estoiros de carros, o sangue a jorrar, os estertores das vítimas, etc.) não acontece já só na L.A., na distante do Tio Sam mas entra-nos diariamente pela sala adentro, desde o dia em que as “cenas eventualmente chocantes” deixaram de o ser e de justificar a mínima censura que fosse de quem edita as notícias. O mundo da guerra de audiências virou, redundantemente, global e o espectador está preso no vórtice da tempestade. É a realidade nua e crua dos tempos que vivemos. Prova disso é que as duas horas do filme passam que nem milésimos de segundo, ainda que o silêncio à saída da sala seja sintomático do que se viu.

Mas, pese embora a actualidade da temática em apreço e a câmara segura de Gilroy, é Jake Gyllenhaal que vale quase todo o filme, evidentemente. Ele é um actor extraordinário e só talvez ele é que nos podia fazer ter empatia por aquela criatura predadora, necrófaga, esquálida e terrível, que não olha a meios para atingir os seus fins, leia-se, o seu negócio próprio, viável e sustentável, como se diz. Um empreendedor, na verdadeira acepção do termo.


in O Diabo 2.12.2014