terça-feira, maio 26, 2015

Filmes em revista sumária #502


O novo filme do aussie George Miller é um filme brutal, no duplo e verdadeiro sentido do termo, dado que é bruto, desumano e incivil, mas também é espectacular e impressionante e digno de admiração, até porque nada fazia prever este regresso colossal de Mad Max e do autor da trilogia homónima dos idos pirosos de 80, sobretudo dos disparatados 2º e 3ºepisódios.

«Mad Max: Estrada da Fúria» é de longe o melhor filme de acção das últimas décadas: um “western sobre rodas” (como tão bem o definiu Miller) ao longo das paisagens desoladoramente belas da Namíbia e da Austrália, rolando a um ritmo infernal e com uma câmara prodigiosamente acrobática como nunca se viu (convém acrescentar que ali quase nada é virtual e que se recorreu a artistas de circo e atletas olímpicos de carne e osso), resultando numa experiência de violência nonsense e orgástica (uma espécie de versão sanguinolenta dos «Malucos das Máquinas Voadoras» mas de guerra, e as mais estapafúrdias) para o que também contribuem a lente do veterano e oscarizado John Seale e uma banda sonora “tecno-clássica”, e os melómanos que perdoem esta definição, já de compra obrigatória.

É certo que os recursos imensos da dupla de actores protagonistas ficaram por explorar, mais ele do que ela (mesmo assim, Tom Hardy tem um conjunto de grandes-planos que reduzem a pó todas as prestações de Mel Gibson) e que não se admite a judiaria que Miller fez a Charlize decepando-lhe um braço e pondo-a de olho ao peito lá mais para o final, mas há neste filme verdadeiros achados que perdurarão durante muito tempo, ex. as avantajadas “mulheres-leiteiras”, dignas das Mil e Uma Noites e aquele spray metálico-alucinogénio que insufla bravata aos “rapazes de guerra”.

A moral desta sinfonia brutal pós-apocalíptica é que o futuro deste mundo está nas mãos das mulheres, o que até não é nada que já não se soubesse. No resto é espectáculo e não é para rir mas para suar. Venha daí uma sequela, por favor, e rapidamente!


In O Diabo (26.5.2015)

terça-feira, maio 19, 2015

Filmes em revista sumária #501



Tudo parece correr pelo melhor àquela família sueca tão unida, de férias de ski em hotel dos Alpes franceses (propositadamente a fazer lembrar o Hotel Ovelook em «Shining»), até que por motivos de «Força Maior», profusamente avisada em pequenas explosões controladas que se fazem sentir um pouco por toda a vasta mas claustrofóbica paisagem, a natureza do pai se revela aos demais (tal como a de Jack Torrance) e a implosão da célula familiar torna-se incontrolável, como a avalanche de raspão de que são alvo, e a prova de que a sociologia das organizações não se engana quando refere que a sujeição daquelas a factores externos imprevisíveis pode ter efeitos devastadores nas mesmas.

E se é verdade que há muito de Kubrick neste belo e laboratorial filme de Ruben Östlund (no crescendo da tensão entre o casal e entre este e os filhos, nas cenas da casa de banho e no plano da sapateira com os ténis alinhados, nas sequências do túnel, nos elementos desconcertantes que são o disco voador e o aparecimento súbito do casal de amigos) e que tal não deve ser vergonha para ninguém, ainda é mais verdade que os suecos são exímios em filmar cenas da vida conjugal e situações de rotura intracelular- Este é um desses casos, intervalado por momentos de humor subtil, subliminar, uma óptima exploração dos elementos cénicos (a neve, o pinho, o vento, a música) e também do tempo de entrada dos diálogos (veja-se as excelentes opções por oradores fora do campo visual) e, claro, da banda sonora.

Pena é que a personagem de Tomas perca também para a de Ebba em termos de representação, talvez por culpa de Johannes Kuhnke, claramente limitado face a Lisa Loven Kongsli, ou então ele terá sido genial ao desconstruir a masculinidade da sua personagem, tornando-se em tão patético e vil cobarde que não tenhamos por ele um pingo de comiseração.

Antes do final, em que Ebba é posta à prova e não se dá tão bem quanto o esperado o que provoca um sorriso triunfante a Tomas, já ela o testara na terrífica sequência do resgate no meio do mau tempo e ele havia passado com distinção. Já aí a família voltara a estar unida.


In O Diabo (19.5.2015)

terça-feira, maio 12, 2015

100 anos de Orson Welles!


Um pouco por todo o mundo, literalmente (desde cinematecas e universidades dos ainda ingratos E.U.A. a cinemas e festivais por Brasil, Inglaterra, Itália, França, claro, Polónia, Alemanha, e Suíça - sim, a que Harry Lime parodiou indelevelmente em «O Terceiro Homem»), celebra-se o centenário do nascimento de Orson Welles, nascido a 6 de Maio de 1915, em Kenosha, no estado do Wisconsin, e Lisboa e a Cinemateca Portuguesa a isso não podiam ser indiferentes, e muito bem, ainda que o génio mereça sempre muito mais que uma retrospectiva a 8 dos seus quase 50 filmes, entre as longas e as curtas-metragens, completas e inacabadas, do seu legado.

Seja como for, e como a TV já raramente os passa, nada melhor do que aproveitar esta oportunidade e rumar ao Museu do Cinema para rever na tela alguns momentos-chave da 7ª Arte, da exclusiva responsabilidade de Welles: o trenó da infância desaparecida e o esgar labial final de Charles Foster Kane, em «Citizen Kane», a cavalgada pela neve e os planos na escada da mansão dos «Magnificent Ambersons», a sequência das três parcas e o olhar esgazeado de Macbeth pelos corredores do castelo de Cawdor, os claros-escuros de Otelo e Iago e aquelas muralhas de Essaouira, o baile de máscaras e o frame de Mr. Akadin aos comandos do seu avião.

Um dia fazer-se-á a homenagem devida a Welles, exibindo-se todos os seus filmes (aí já todos completos) mais os em que participou, mesmo os “abaixo de cão”, e a rádio há-de emitir ininterruptamente o teatro radiofónico da sua Mercury, intercalado pelo relato pormenorizado da terrível invasão de marcianos de «A Guerra dos Mundos», de Wells (sem “e”). E haverá magia e truques pelo próprio Orson, réclames para todos os gostos, muitos charutos e whisky, touros de morte e Rita e Oja, pelo menos essas duas, e Joseph Cotten, claro. Tudo como se se tratasse do fabuloso plano-sequência inicial de «Touch of Evil».

E no fim ver-se-á o microfone desaparecer do nosso campo de visão e ouviremos apenas: «I wrote the script and directed it. My name is Orson Welles».


In O Diabo (12.5.2015)

segunda-feira, maio 11, 2015

"Sweeney Todd" (2007):


I can guarantee the closest shave you'll ever know.

terça-feira, maio 05, 2015

Filmes em revista sumária #500


Num «Labirinto de Mentiras» é naquilo em que se mete o jovem procurador Radmann, ao começar a desbravar, ingenuamente, a teia da inconveniente verdade dos factos sobre Auschwitz, primeiro, e, na vontade indómita, depois, em querer julgar de uma assentada todos os criminosos com responsabilidades directas no dito (a começar pelo Anjo da Morte), quando, meramente por acaso, fica a saber por jornalista ligado à causa dos ofendidos que, afinal, o campo de concentração mais terrivelmente famoso da 2ª Guerra Mundial não foi, afinal de contas, um campo de reeducação ou uma colónia de férias forçadas, mas um destino de extermínio humano organizado e implacável, e que toda a Alemanha, ou quase, o procurava esquecer, ou melhor, deitar para trás das costas, à época do filme, com a desculpa de não querer agravar ainda mais uma ferida profunda por sarar.

Este belíssimo e escorreito dramático do italiano Giulio Ricciarelli, rodado no pós-guerra alemão, durante o consulado Adenauer (o do milagre económico alemão), baseia-se em factos comprovadamente verídicos e é um filme sério, que não deixa lugar ao subjectivo, apesar de aqui e ali se deixar cair num certo academismo e numa estética exagerada (uma permanente e indisfarçável preocupação geométrica nos planos e na apuradíssima reconstituição de época – nos cenários, no guarda-roupa ou naquele fabuloso Opel Rekord…) mas é um filme de um rigor e de uma contenção tais, de diálogos e actores imaculados (Gert Voss é excepcional na figura do Procurador-Geral), e de uma narrativa sem escolhos e uma encenação montada a compasso (por vezes parece que Lang anda por ali…), que merece uma observação atenta e uma adesão generosa.

«Das Leben ist gut», diz algures a personagem feminina central, depois de uma cena de amor, e é mesmo verdade.


In O Diabo (5.5.2015)