terça-feira, junho 30, 2015

O Rei da Comédia


A propósito da exibição na Cinemateca, hoje, do singular «O Rei da Comédia» (1982), de Scorsese (que estreou em Lisboa no defunto Cinema Londres, e para o qual Lewis foi uma 2ª escolha depois de Johnny Carson o ter declinado), integrado na retrospectiva «Jerry Lewis – A Ordem Desordenada», nada melhor do que dedicar estes caracteres ao genial comediante, agora com 89 anos, a quem alguns vaticinaram que cairia em desgraça a partir do momento em que terminasse a celebérrima parceria com Dean Martin, das décadas de 40 e 50, um prognóstico que nunca se cumpriria, muito pelo contrário e ainda bem.

E se ”Rei da Comédia” pode ser exagerado, se nos lembrarmos de Chaplin e Keaton, ou Lloyd, as referências maiores do cinema de comédia (e muito do demais, já agora), e é verdade que continua a haver quem deteste as “caretas” de Jerry Lewis, o facto é que é no sonoro, e de forma ainda mais evidente na passagem do p/b à cor, onde há um antes e um depois de Lewis. Para isso não terão contribuído apenas a sua presença assídua na rádio e na televisão, os shows que fez pelo mundo depois do arranque em Atlantic City, o seu filantropismo ou a sua nomeação ao Nobel da Paz.

Jerry Lewis desfez tabús e revolucionou a mise-en-scène (a este propósito veja-se a obra-prima que é «O Homem das Mulheres», de 1961, ainda que inspirada em Tati). Lewis teve a ajuda preciosa de Tashlin e Taurog mas foi (é), como a Cinemateca tão bem o apresenta, «o último do “cómicos totais” do cinema americano, controlando os seus filmes ao mais ínfimo pormenor, e dominando, com a sua presença, o que se passava diante da câmara». Apenas o público contava para Lewis. E o público contou sempre com Lewis e o seu contorcionismo.

Por isso há que aproveitar a oportunidade que a Cinemateca nos dá em o (re)vermos, pois já não há nem Caleidoscópio nem Berna e a RTP olvidou-o.

Ah, e se há filme de Lewis que se deva levar para uma ilha deserta, é escolher sem hesitar «Jerry no Grande Hotel», de 1960, o seu primeiro enquanto realizador.


In O Diabo (30.6.2015)

quarta-feira, junho 24, 2015

Sam Spade: You don't have to trust me as long as you can persuade me to trust you.


«Maltese Falcon» (1941)

terça-feira, junho 23, 2015

Filmes em revista sumária #505


Numa tal de «Sociedade de S. Paulo», algures no Sul da Alemanha de hoje, onde o Concílio Vaticano II nunca chegou a entrar e tudo se passa na mais profunda e hermética religiosidade (de fazer inveja aos Amish), o verbo mantém-se no latim (que se comprova ser uma língua bem viva…) e há quem leve à risca a expressão “soldado de Deus”. Na família de Maria, que é um bunker de fanatismo e onde a mãe não se chama Ana mas o pai é figura de corpo presente, não se concebe o pecado, por mais ingénuo que ele seja, nem sequer a música rock ou as aulas mistas de ginástica no liceu.

A verdade é que os irmãos Dietrich e Anna Brüggemann, realizador e argumentista de «Estações da Cruz», sabem do que falam por via da sua própria experiência na lefebvriana Sociedade São Pio X, e talvez por isso o filme tenha um tom tão intimista e sofredor.

Seja como for, trata-se de um filme magnífico. Um filme duro e violento. Que lembra Dreyer e Bergman, na narrativa e nos rostos, nas cores e nos matizes, nos compassos entre estações, na câmara estática, de cujo campo de visão entram e saem personagens e falas, mas que só se move propositadamente em alguns finais de cena – veja-se o admirável movimento de câmara acompanhando o padre catequista e a mãe (superlativa Franziska Weisz) com o irmão ao colo, aquando do milagre, detendo-se por fim nuns rostos magníficos. É um filme sobre a abstinência vs. a anorexia, corpo vs. alma, fé vs. crença. Um “não nos deixeis cair em tentação mas livrai-nos do mal” interiorizado ao mais ínfimo detalhe.

Um filme que sufoca e que incomoda. Um filme que só podia ser germânico. Um filme em que à medida que o suspense avança damo-nos conta que sofremos pela despojada Maria, mesmo que lhe adivinhemos o final, porque as Escrituras assim o garantem. E um filme que passa ao lado dos aconselhamentos do Dr. Spock, não o vulcânico do «Caminho das Estrelas» mas o outro.


In O Diabo (23.6.2015)

segunda-feira, junho 22, 2015

Obituário: Laura Antonelli (1941-2015)


Estava entre a Muti e a Fenech, acima da Sandrelli e da Belli, e apesar de Visconti e Chabrol. Já a Viti, por exemplo, não conta para este campeonato. Mi dispiace tantissimo :-(

terça-feira, junho 16, 2015

Filmes em revista sumária #504


Comprova-se em «A Criança nº 44», mais uma vez, que um bom elenco e um best-seller como ponto de partida, ou uma produção milionária e tecnologicamente apetrechada, não fazem obrigatoriamente um bom filme.

Neste particular conseguiu-se apenas um enorme pastelão, em que se tenta meter o rossio na betesga (mais precisamente, 444 páginas do 1º tomo da trilogia de Tom Rob Smith, galardoada em 2008, em 2 horas de filme de um tal de Daniel Espinosa) à custa de uma montagem pretensa mas toscamente ágil (ao jeito do que o director de fotografia Oliver Wood nos habituou, aliás) e de episódios históricos por comprovar (ou rebater, no mínimo), cenas de pancadaria caricatas em que só se ouvem socos e se imagina o resto, alguns carros sovietes no mínimo curiosos, e um comboio que acaba por saturar quem gosta do “pouca-terra”, tantas vezes ele teima em cruzar o écran.

Ao filme de nada consegue valer o bom gosto de Ridley Scott (produtor-mor e com direitos de autor sobre o livro de Smith), até porque ultimamente o autor de «Alien» tem vindo a presentear-nos com filmes chatos e compridos, o que no caso presente é mesmo um abuso.

Pelo meio há uma história que pretende ser um thriller sobre um assassino em série que semeou crimes na zona de Rostov, entre 1978-90, mas também uma história de amor, um manifesto político e, já agora, um ajuste de contas (oportunístico) com a História, numa altura em que se comemoram os 70 anos do final da 2ª Guerra Mundial. Tudo somado no fim é quase nada.

Tom Hardy parece que ficou com os tiques e ademanes de «Mad Max», excepção feita às cenas finais em que dá um ar da sua graça. Aplauso para a sueca Noomi Rapace, já uma senhora actriz, e para a sobriedade do irrepreensível Gary Oldman, claro. No resto é bater forte e feio nos sovietes até dizer basta! Sabe a pouco.


In O Diabo (16.6.2015)

quinta-feira, junho 11, 2015

Obituário: Christopher Lee (1922-2015)


Muita pena ao ler na página dos Estúdios Hammer: «It is with great sadness that we report the death of Sir Christopher Lee, who has passed away at the age of 93. Known best to Hammer fans for his countless legendary performances, he will be sorely missed.». É um ícone que desaparece, este gigante da tela, de linhagem nobre, oficial da RAF e dos serviços de inteligência ingleses, actor prolífico e o melhor Drácula depois de Lugosi. E, por favor, quem apenas o tenha na retina por causa de Saruman, credo, vá ao clube de vídeo e procure todos os títulos da Hammer onde entrou que já terá um bom lote deles, ah, e não se esqueça de Scaramanga. Já tinham partido Karloff, Cushing, Price e Rathbone, Lee era o Senhor que restava.

terça-feira, junho 09, 2015

Os 85 anos de um ícone chamado Eastwood


Sejamos claros: só graças aos críticos franceses terem colocado Clint Eastwood nos píncaros da 7ª Arte, paulatinamente, aqui enquanto actor, ali como realizador, até ao “ponto de não retorno” de finais dos anos 80 chamado «Bird», altura em que o distinguiram com o estatuto de Autor, é que ele pôde chegar onde chegou e ser aceite pela intelligentzia universal, incluindo a deste “rectângulo à beira-mar plantado”, onde, aliás, alguma dela ainda se mantém de pé atrás, chamando-lhe de tudo um pouco quando calha.

Isto pese embora Eastwood tivesse tido uma legião de fãs logo a partir de «Um Punhado de Dólares», o 1º dos western-spaghetti de Leone, um papel, por sinal, para o qual não tinha sido nenhuma das primeiras escolhas do realizador romano, mas que faria dele uma estrela, resgatando-o irrevogavelmente ao triste rol de filmes por onde passara a modos que figurante, até aí.

Contudo, até ao biopic de Charlie Parker, Eastwood fizera coisas sensacionais como «Play Misty For Me», «Thunderbolt and Lighfoot» ou «Honkytonk Man», e «Outlaw Josey Wales» (de visão obrigatória em cinema) mas que quase ninguém ligou. E como deve ter sido duro para ele conviver com a crítica velada de que não sabia representar e que por isso o seu cowboy sem nome entrava mudo e saía calado, mais tiro menos tiro, mascando mais ou menos tabaco. Ou de que se levava a sério na personagem de Dirty Harry, fazendo de “go ahead punk... make my day” o seu mote.

Seja como for, Clint Eastwood continua aí bem vivo, com 85 anos, do alto do seu 1,93m de altura e das suas incontáveis rugas, sem abdicar do uso da câmara e de pousar para ela, pronto para as curvas e a dizer “presente”, como se comprovou muito recentemente naquela tremenda sequência do filme que realizou sobre o sniper Chris Kyle, em que o mesmo é resgatado pelos camaradas de armas no meio de uma tremenda tempestade de areia; uma sequência que ficaria bem a qualquer um dos “realizadores-farol” de Eastwood, com Huston e Siegel à cabeça.

Obrigado à tecnologia que nos permite ter Clint Eastwood sempre à mão.


In O Diabo (9.6.2015)

terça-feira, junho 02, 2015

Filmes em revista sumária #503


Há que dar o braço a torcer: o cinema do egípcio-arménio-canadiano (ufa!) Atom Egoyan pode não ser (e não é) para todo o santo espectador, pois requer deste uma certa dose de masoquismo inveterado que ature aquela sua forma intrincada de filmar (de montagem, sobretudo, que primeiro que encaixe no tempo certo demora meio filme), o seu continuado auto-plágio (cada vez mais acentuado) ou, pior, os seus desvios obsessivos e irrevogáveis (quase todos do foro violento-sexual), mas os seus filmes têm um não se sabe bem o quê que atrai como íman mesmo aqueles que se têm vindo a dar mal com os seus filmes mais recentes, como o autor destas linhas. E «Prisioneira» (porque não simplesmente captiva, hein, tradutores?) não foge à regra.

Desta vez Egoyan, porém, decidiu-se por um território em “T” chamado pedofilia, um território que do ponto de vista do cinema já pouco ou nada poderá trazer de novo, pelo que o risco de falhar é sempre tremendo. Foi o que lhe aconteceu, de nada valendo as várias marteladas que o enredo foi levando para se encaixar mais este ou aquele piscar de olho para espectador incauto, ou para se tapar algum dos seus buracos mais que evidentes. Mau grado toda aquela luxúria visual branca de neve entre fronteiras, branca mas paradoxalmente e dermicamente impura, nos cenários reais das cataratas do Niagara, que nunca assim tinham sido filmadas, aliás.

Cassandra é o nome da jovem captiva, mas ela nem é filha de reis (o pai é mesmo um canastrão) nem invoca profecias (apenas truques) e apenas gosta de patinar no gêlo e diz umas banalidades que levam às lágrimas o voyeur-raptor (magnífico o escabroso Kevin Durand). A fotografia (não só a das cenas na neve mas sobretudo as da “sala de comando” de Mika) vale quase tudo e a música do oscarizado Mychael Danna faz o resto, que não é muito nem é pouco, diga-se, é q.b., até ao próximo de Egoyan, porque a atracção se irá manter mesmo que ele persista no seu circuito fechado.


In O Diabo (2.6.2015)