Dez anos depois de nos ter tirado o fôlego com o genial «De Tanto Bater o Meu Coração Parou», Jacques Audiard continua a não brincar em serviço, presenteando-nos com novo hino à Sétima Arte e ao cinema intimista, àquele cinema que acredita no pulsar humano, fazendo das nossas tripas coração mais uma vez.
«Dheepan» (2015) é um filme poderosíssimo, de uma força imensa, muita dela residindo no fabuloso trio de actores do Sri Lanka, aqui dirigidos com mestria por Audiard, mas também pela atmosfera que nunca o abandona, que se vai tornando cada vez mais asfixiante à medida que se vai desenrolando a história da péssima inserção social daquela família de ocasião, nos basfonds dos subúrbios de Paris, pré-anunciando a inevitável e sanguinolenta explosão final de Dheepan, o “nosso” tigre Tamil – um filme politicamente incorrecto, portanto.
Duplamente incorrecto porque capaz, por outro lado, de elogiar a redenção dos três protagonistas apenas possível em terras de Sua Majestade (razão tinha Yalini em querer ter ido lodo de início para lá) por contraponto à anfitriã França onde grassa uma falsa integração dos imigrantes, etc. – será uma perspectiva convencional do tema, certamente, polvilhada de clichés, dirão muitos, mas também por isso enriquecedora da assimilação do filme para posterior bate-papo, que é para isso também que o cinema serve.
Além do mais é um filme belíssimo, impregnado de poesia: das cores e dos borrões iniciais no palco da guerra civil no antigo Ceilão, ao risco de cal branca que o vigilante Dheepan pinta no seu bairro social, delimitando as fronteiras entre mundo e submundo, e àqueles planos segmentados, em pause still, que nos dão a ver a revolta do tigre, sem realmente a vermos. E disso são indissociáveis a fotografia de Eponine Momenceau, a música de Nicolas Jaar e a montagem de Juliette Welfling.
É difícil resistir a «Dheepan», que o diga o júri do Festival de Cannes do ano passado.