Não nos chegámos a despedir formalmente. Tenho pena. Mas eram vocês ou nós. E, afinal de contas, 300 metros não serão obstáculo a visitas recíprocas. Digam isso aos vossos primos pretos, de bico amarelo, mais aos saltitões cinzentos de cauda branca, e aos pretos de cauda de ferrugem. Ficamos amigos?
Um extraordinário director de fotografia, com um bom gosto superlativo, quer a P/B quer com filmes a cores, cuja carreira é indissociável das magníficas produções da dupla Michael Powell & Emeric Pressburger, de que (1947) é exemplo maior. Mas fez mais, muito mais.
Já a partir do próximo Sábado, no antigo Cinema Roma, no âmbito do Festival Indie deste ano. O Homem e a Natureza, figuras centrais omnipresentes no cinema tão extravagante e onírico, quanto exagerado e demente de Werner Herzog, personificados num ainda mais extravagante Klaus Kinski.
Descobrindo in loco as vantagens e desvantagens de uma e outra, ao mesmo tempo que verifico o indesculpável esquecimento do diccionário em relação ao verde das árvores, ao chilrear dos pássaros ou à água que jorra dos chafarizes, numa, e aos escapes, claxons e viadutos, noutra.
praça s. f. 1. Lugar largo e espaçoso, ordinariamente rodeado de edifícios.
Dois sumos Compal. Quatro empadas Celeiro. Dois bolos-de-arroz. Um restinho de amêndoas. Por entre chilreios, vento e muita ramagem. Longe do elevador, do viaduto e do aeroporto. De aguçar o apetite por mais, nos anos mais próximos. Auguri!
O crítico de arte Paul Richard acha uma injustiça que a obra de Walt Disney não esteja representada nos museus. O homem que influenciou a arte pop e pôs a animação nas nossas cabeças merece mais do que estar numa loja de DVD nossas cabeças merece mais do que estar numa loja de DVD [...] Ele merece mais do que uma loja de DVD. Deveria estar em museus, e por muitas e variadas razões. Seguem-se seis dessas razões:
1. Walt Disney pôs os desenhos a dançarEste não é um feito qualquer. Na Idade do Gelo, os artistas rupestres davam aos cavalos que desenhavam nas paredes das grutas pernas extras para indicar que eles estariam a galopar; em Roma e na Grécia Antiga, os deuses eram representados em poses inclinadas e com roupagens esvoaçantes para sugerir os seus movimentos divinos. Disney fez mais do que sugerir. Leonardo da Vinci teria ficado em êxtase se os seus remoinhos realmente rodopiassem. Artistas pioneiros, como George Méliès em França ou Winsor McCay nos Estados Unidos, exploraram as potencialidades da animação, mas pouco. Disney foi muito mais longe do que eles. Primeiro eliminou os saltos no filme, e depois fê-lo cantar (Aprendam a canção, Quem tem medo do Lobo Mau?) e deu-lhe cor. A biografia publicada por Neal Gabler em 2007 refere que o chão do estúdio de Disney estava todo marcado com pigmentos de aguarela colorida, que foi instalado um espectrofotómetro para os medir com precisão e que havia 1200 cores diferentes nas prateleiras. "Praticamente todas as ferramentas que utilizamos actualmente - disse o grande Chuck Jones, que alcançou fama com as suas personagens dos Looney Tunes, como Bugs Bunny, Wile E. Coyote e Porky Pig - tiveram a sua origem nos estúdios da Disney."
2. Disney implantou a sua arte nas nossas cabeças Não há muitos artistas que tenham essa misteriosa capacidade. Warhol tinha-a. Ia a um supermercado, inspeccionava 10 mil produtos e depois saía para a rua com uma lata de sopa que não conseguíamos tirar da cabeça. Está lá, inamovível. Pluto, o Grilo Falante e Tambor estão na mesma prateleira.
3. Disney dava-se com os surrealistas Por vezes ele próprio era um surrealista. Disney partilhava com eles o gosto pelo tétrico, a pesquisa do inconsciente, do sono e a justaposição do irracional que reconhecemos nos melhores dos surrealistas. Não admira que Salvador Dalí tenha ido trabalhar com Disney. "Na noite em que nos encontrámos quase não consegui dormir", escreveu o catalão, que não era facilmente impressionável.
O episódio mais surreal de Disney é aquele em que Dumbo, acidentalmente bêbado, se emaranha numa alucinação de estridentes trombones, elefantes cor-de-rosa (claro), bolhas mutantes e infindáveis regressões. "Nunca vi nada que lhe chegasse perto - escreveu Otis Ferguson no jornal New Republic - nem vocês viram, porque não houve nada que o conseguisse."
Outra qualidade surrealista da sua animação era o animismo. Ambos os mundos têm as suas raízes na palavra latina animare ("dar vida a", "encher com fôlego"), e Disney, algo assustadoramente, soprava pedaços do seu self para dentro dos bancos em forma de sapos dançantes, hipopótamos e vassouras a marchar. É esta antiga magia que nos leva, através dos contos de fadas e de Pigmalião, para o passado, até aos tempos imemoriais em que os espíritos habitavam as poças e as rochas. "Ele insistia em que se uma árvore era tímida, tinha que agir como se fosse tímida", escreveu Ward Kimball, um dos seus técnicos de animação. "Se era uma árvore má, tinha que se comportar como uma malvada." As ondas na sequência da tempestade em Pinóquio não são apenas água, são também monstros. Tive que fugir deles a correr pela coxia da sala de cinema quando era miúdo.
4. Disney confraternizava com os seus artistas especializados em desenhar animais Ele era um deles, mesmo que antropomorfizasse descaradamente. Disney costumava mimar a sua arte quando dava indicações para a sua concretização. Quando queria que os seus artistas animassem um cão, Walt transformava-se nesse cão em frente dos seus olhos. "Ele imitava as expressões do cão, olhava de um lado para o outro, levantava uma sobrancelha e depois a outra à medida que tentava resolver as coisas. Ficávamos com a noção total da ideia que ele tinha. Ficávamos a saber exactamente o que ele queria", recorda o animador Dick Huemer. Bambi é tanto uma pessoa como um veado, mas parece realmente um veado. Enquanto o criava, o estúdio Disney reuniu todas as filmagens de veados que conseguiu encontrar, e filmou ainda mais no estado do Maine, e arranjou um veado morto para a sua escola de artes.
5. A boa educação manda admiti-lo nos museus Não esqueçamos que Disney fez a sua quota-parte pela educação artística. Reconhecia e escolhia o que tinha a melhor qualidade, tal como os museus devem fazer. Treinou centenas de artistas (dado que cada segundo de filme da Disney exigia 17 fotogramas desenhados à mão). Depois de tudo isto, seria uma indelicadeza não o aceitar no meio museológico.
6. O tempo deu-lhe razão Vá-se a qualquer exposição de arte contemporânea na moda, e percebe-se o que eu quero dizer. Por todo o lado estão ecrãs iluminados, imagens em movimento, efeitos sonoros bem gravados, construções em plástico. Nos museus sérios isto não teria sido admissível quando Disney estava no seu auge, mas agora é. As velhas regras fora quebradas, o multimédia está in, vale tudo.
Toda a arte relembra os seus antecedentes. A arte deste nosso século XXI, eléctrica, de colaborações, brilhantes, barulhenta, traz consigo um passado tão distinto quanto o da pintura. As obras mais vanguardistas do nosso tempo estão a fazer um favor a Walt Disney, legitimando retrospectivamente a arte que ele fez no seu tempo.»
Assino por baixo. Disney é um dos pilares fundamentais da Arte do Século XX.
Thirty seconds after you're born you have a past and sixty seconds after that you begin to lie to yourself about it.
Um dos melhores filmes de Cronenberg, com uma Samantha Eggar inesquecível, e uma cena memorável: Oliver Reed em sessão de psicoterapia, incutindo manhood ao seu interlocutor.
Já aqui disse mais do que uma vez: pese embora Basil Rathbone e Peter Cushing foram os melhores Holmes do grande écran, mas apenas Jeremy Brett é de carne e osso, o verdadeiro. Saidinho da pena de Conan Doyle. Por isso merece hotel, museu, franchising, bobby à porta de casa e tudo o mais, rivalizando no mundo das personagens ficcionadas tornadas realidade apenas com Romeu e Julieta, mas isso é outra história.
Esta conta-se muito rapidamente: visita relâmpago ao 221-B de Baker Street, por sinal lá nos confins da poluição londrina, mal amanhado na desembocadura de duas ruas, e com quinquilharia que deprimiria o maior detective de todos os tempos. Resultado final: duas gravuras, uma sob o lema da maior das suas investigações (O Cão dos Baskervilles) e outra alusiva ao duelo mortal com o Prof. Moriarty. Valeu a pena, até porque «It is a capital mistake to theorize before one has data». (Holmes dixit)
Até que ponto um trauma muda uma personalidade a ponto de se ficar vazio de um momento para outro? E até que ponto um "new look" muda uma personalidade? Melhor dito: até que ponto quem quer ser outrem se socorre de um trauma ou de uma colorização de cabelo. E até que ponto essas mudanças podem ser profundas e irreversíveis. Parece que ambas as possibilidades existem de facto. E parece, também, que basta uma nova colorização de cabelo para que tudo volte a estar bem.
Que o diga «La Mujer sin Cabeza», filme desconcertante de Lucrecia Martel, feito de planos nada ortodoxos, diga-se [por vezes desenquadrados (decepando personagens, filtrados por vidros e gostas de chuva, ou mesmo pó, etc.], mas sempre belos; que dá conta exactamente de uma mulher que com um novo corte de cabelo incorre numa jornada fantástica, povoada de vazios e estranhezas, sortilégios e imperceptibilidades, algo conspirativos, numa espécie de "outro eu" saído do imaginário de Pirandello, por exemplo, mas ao mesmo tempo oco e colando a «Vertigo». Um filme diferente, de uma realizadora diferente, e de uma cinematografia distante que convém não ignorar.
Quem disse que nos tempos que correm só os americanos sabem fazer filmes de terror? Pois é. O estreante James Watkins demonstra saber da poda e este é o melhor filme do género fundado pelo mítico «Deliverance» (1972), cujo último grande filme foi «The Descent» (2005)...talvez por isso Watkins seja agora o responsável pelo argumento da sequela deste. De «Eden Lake» - muito mais que o "lago perfeito" ele é a antítese do "lago do éden" -, há que dizer uma coisa: toda aquela história de horror podia ter sido evitada por várias vezes. Ou seja, "andavam a pedi-las". Não se percebe como ao primeiro aviso da pandilha, o casal não fugiu. Ou não o fez à segunda e à terceira hipóteses. Enfim, coisas de filmes.
Kelly Reilly (a ruiva sardenta do «Albergue Espanhol») tem aqui um papel digno de cortar a respiração, passando por mil e uma agruras, até que a esperança, por norma a última coisa a morrer é-o literalmente. O filme está extremamente bem feito sob o ponto de vista da gestão do medo, do “frisson” (muitas vezes asfixiante). E da montagem, também, sendo a espaços realista. Mas descambando amiúde em excessiva violência (quiçá parodiando «A Clockwork Orange»), algo destrambelhada e oportunista (os tempos que correm...), diga-se, porque, bem vistas as coisas, tanto mal concentrado numa só família é, no mínimo, irreal. Também na definição das personagens, cai na tentação do “cliché” e do estereótipo fáceis (será o reflexo da sociedade britânica actual?).
Seja como for, trata-se de um dos melhores filmes recentemente estreados (tardiamente) entre nós, que merecia uma sala condigna (o visionamento deste filme no C.C. Colombo é uma experiência igualmente aterradora e “stressante”. Como se não bastasse o ruminar das pipocas e afins, mais os chapéus enfiados em algumas das cabeças da assistência, mais o intervalo metido no meio da acção, ainda houve lugar a várias entradas ruidosas, portas abertas e risadas várias. Laboratório de delinquentes?) e que é impróprio para qualquer digestão.
De tempos a tempos, o mais belo país do mundo é fustigado por terramotos. Coube a ira dos deuses, desta vez, a uma cidade incrustada numa região, Abruzzo, por sinal quase esquecidas pelo 'pugresso'. Uma perda imensa, humana e arquitectónica.
Bem tentei, por aqui e ali, imaginar o Círculo de Bloomsbury por entre aquelas árvores resistentes ao betão, ou naquelas pequenas salas de R/C dos ainda bonito edifícios georgianos que por ali também resistem. Mas nada. Na Fitzroy Square, nem Virginia Woolf, nem Keynes, nem E.M.Forster. Muito menos Nicole. Lá como cá, foi tudo varrido a escritórios. Restam as placas.
A dúvida persiste ao fim de quase 6h de díptico de Soderbergh, um dos mais talentosos realizadores da actualidade, mestre da montagem e dos planos ousados, ultimamente dedicado a trazer até nós a sua visão de Che, a partir dos rabiscos deixados pelo próprio no seu diário. Tecnicamente, o filme é quase imaculado, ainda que a primeira parte, «O Argentino», esteja claramente muitos furos acima da segunda, «Guerrilha». Mas, a dúvida persiste:
Quem foi Che Guevara? Dito por outras palavras; ainda não foi desta que se fez a biografia definitiva do maior ícone pop dos anos 60, ele que foi/é adorado como padroeiro da Revolução, por uns (grande maioria, diga-se, pelo menos daqueles que se exprimem...), um romântico visionário, um timoneiro quixotesco; e, por outros, menos, um pseudo-estratega, 'um rei em terra de cegos', ultrapassado pelas próprias circunstâncias e traído pelos seus. O certo é que a lenda persiste e está para durar.
Vê-se que a intenção de Soderbegh é boa e cheia de entusiasmo, mas nunca esse entusiasmo é contagiante. Não que Del Toro não seja um excelente actor, que o é e muito, e que não se tenha transmutado em Che, que o fez - aliás sem nunca recorrer ao tique fácil, ao trejeito recorrente, sempre tão típico de biopics (basta ver a interpretação do actor que faz de Fidel para se ver as diferenças...). Mas o filme não empolga, talvez porque a opção tenha sido muito 'documantalista'.