terça-feira, setembro 29, 2015

Filmes em revista sumária #516


Se James Dean tivesse sido de facto aquele rapazinho aparvalhado, imberbe e molenga do biopic «Life», o mais recente filme de Anton Corbijn (já merecidamente consagrado apesar de só ter feito ainda 4 filmes, mais 1 do que Dean, por sinal), e que Dane DeHaan representa na medida das suas possibilidades, não teria havido certamente Lenda para ninguém, porque o que se vê no filme dificilmente será mais do que tentativo e preliminar.

Onde está aquela energia, aquela chama interior que fez dele imortal, estandarte de toda uma geração, ícone da Sétima Arte, lado a lado com Marilyn, Bogart, Brando?

Claro que o filme retrata apenas alguns dias na vida de Dean, mais propriamente os que ele passou na companhia do fotógrafo, então ainda em ascensão, Dennis Scott (bravo, Robert Pattinson!), que lhe soube fotografar a alma numa série de fotos memoráveis que fez ao serviço da agência Magnum, para a revista Life e que andam por aí. Breves momentos que decorreram entre a estreia do primeiro filme de Dean, «A Leste do Paraíso» (1955), e o casting para o segundo. É muito curto para um retrato completo e fidedigno de alguém que seria bigger than life.

E talvez que a “inabilidade” de Corbijn resulte do facto de, ao contrário do que fez quando retratou a vida de Ian Davies, no fabuloso «Control» (2007), apenas tenha conhecido Dean pelos recortes de jornal e pelas imagens dos 3 filmes (e que filmes! E que interpretações!) que o actor rodou, pois nasceu no mesmo ano em que o actor morreu.

Seja como for, o filme tem momentos muito bem conseguidos (ex. a fragilidade de Dean, as cenas na família Quaker), outros nem tanto (ex. o romance de Dean com a também frágil Pier Angeli) e «Life» consegue dar-nos uma ideia, ainda que pálida, do verdadeiro rebel without a cause que foi Dean, e da enorme perda que a sua morte representou para tantos, desde logo para o Cinema, naquela trágica tarde, num cruzamento agora famoso da estrada californiana nº 46, aos 24 anos de idade, ao volante do seu Porsche 550 Spyder, a 137km/h, faz agora 60 anos.


In O Diabo (29.9.2015)

terça-feira, setembro 22, 2015

Filmes em revista sumária #515


«A Visita», com apenas 4 actores a fazerem o pleno (avós e netos) e mais 1 em versão remota (mãe), e rodada praticamente na íntegra dentro de quatro paredes, deve ter saído a M. Night Shyamalan relativamente barata. E como é no poupar que está o ganho talvez seja este o filme, enfim, para nos sentarmos a fumar o cachimbo da paz com o realizador de «O Sexto Sentido», ele que nos últimos tempos tinha andado completamente perdido em andanças cinematográficas e televisivas («Wayward Pines» é outro flop) pouco ou nada recomendáveis, que o digam mesmo os seus fãs incondicionais. O problema, contudo, pode estar noutra máxima popular: o que é barato sai caro. Aguardemos...

Em «A Visita», Shyamalan regressa aos assombramentos e aos twists a 15’ do fim, que lhe deram fama e proveito, e só isso é bom sinal, sinal de que se lhe fez luz. O pior, mesmo, é o grau de insuportabilidade que, apesar de não deitar o resto a perder, atingem o irritante protagonista mais novo (mereceu amplamente a fralda na cara…) e aquela câmara não menos irritante aos tropeções, com as imagens em constante trepidação, num suposto registo pseudo-documental que se dispensa e que «Blair Witch Project» tornou memorável, em 1999, e «Rec» (2007) sublimou.

Pazes feitas com o realizador, uma vez ainda perdoados os momentos de auto-plágio (desde logo ao extraordinário «A Vila», de 2004), a publicidade gratuita ao skype (ou parecido) e aquela comicidade excedentária a que convém não voltar tão cedo. Não será a obra-prima por que se aguardava, mas este filme é um claro ponto de inflexão numa carreira que se temia irrecuperável, de regresso às origens, e tem um final apoteótico (a ira violenta dos netinhos, rompendo barreiras e fantasmas, é soberba!), podendo ser aquela janela de oportunidade por que se aguardava.

Saboreemos, por isso, este novo filme de Shyamalan mais aquela avozinha marada (uma excelente Deanna Dunagan), que sofre de um hilariante sundowning. Saboreemo-lo respeitando as 3 regras para consumo caseiro dos netinhos cuscas:

Divirtam-se. Comam o que quiserem. Não saiam do quarto depois das nove e meia da noite.


In O Diabo (22.9.2015)

terça-feira, setembro 15, 2015

Christopher Lee - O Príncipe das Trevas


É sob o título em epígrafe que a Cinemateca Portuguesa dedica grande parte do presente mês a Sir Christopher Lee, celebérrimo e prolífico actor londrino, desaparecido em Junho deste ano aos 93 anos de idade, que foi oficial dos serviços de inteligência na Royal Air Force antes de ser Scaramanga em «007-O Homem da Pistola Dourada» (1974), e o melhor Drácula de sempre, depois de Lugosi, bem entendido.

Lee apareceu em 260 filmes ao longo da sua extensa carreira feita durante 7 décadas, muitos dos quais para esquecer (ele próprio dizia que se tem de fazer filmes horríveis de tempos a tempos, e que o segredo estava em nunca ser-se horrível neles), aliás, pelo que não nos deu só múmias ou frankensteins, vampiros ou Saruman, o terrível mago de «O Senhor dos Anéis», a trilogia tolkieniana transposta recentemente para o cinema por Peter Jackson.

Lee era poliglota, cantava ópera, adorava heavy metal e a sua linhagem nobre cruzava várias famílias europeias. A sua vida extra-cinema foi realmente muito aventurosa, levando-o ainda jovem ao Norte de África durante a 2ª Guerra Mundial, onde combateu os Afrika Korps. Escalou montanhas e esteve à beira da morte por mais de uma vez. Foi condecorado por vários governos no pós-guerra, e a sua vida dava um filme, certamente.

Contudo, por mais papéis que Christopher Frank Carandini Lee tenha tido para lá do reino do macabro, a verdade é que a sua carreira é indissociável deste último e em especial do que foi amplamente produzido pelos míticos estúdios da Hammer Film Productions, mais propriamente nos filmes góticos assinados por Terence Fisher, o maior dos realizadores alguma vez contratados por aquela produtora londrina.

Lee era imponente (Elijah Wood chamou-lhe “torre humana”), tinha uma voz magnífica e inconfundível, e tudo quanto fazia era feito com um à-vontade e uma elegância irrepreensíveis, condições sine-qua-non para se ser herói no Horror, que o digam os seus parceiros no crime: Peter Cushing, Basil Rathbone, Boris Karloff e Vincent Price. Foi-se o senhor que restava. Ficam os filmes.


In O Diabo (15.9.2015)

terça-feira, setembro 08, 2015

Filmes em revista sumária #514


«Nação Secreta» é o 5º filme da série cinematográfica «Missão Impossível», cunhada por Tom Cruise & Cia. Lda. a partir de 1996, baseada na mítica série televisiva homónima (ou será o contrário?) que fez as delícias de tantos ainda no tempo do nosso serviço público a preto e branco e já depois, também, e da qual ninguém esquece nem o fabuloso genérico, da mão a acender o fósforo e este a incendiar o pavio que se vai consumindo ao som da não menos fabulosa música do argentino Lalo Schifrin, nem os rostos de Peter Graves ou do casal Martin Landau e Barbara Bain.

São justas as críticas que rotulam estes «Missão Impossível» como uma marcação homem-a-homem, falando em “futebolês” corrente, à série 007, ou melhor, uma marcação agente-a-agente, de Ethan Hunt ao homólogo Bond, James Bond (por ex. neste novel filme, o vilão veste-se à Blofeld, a personagem feminina, que por acaso se chama Ilsa e até passa por Casablanca, é claramente uma bond girl). Contudo, é precisamente neste filme que agora se estreou, que mais se homenageia a série televisiva dos anos 60, com detalhes que não passarão indiferentes aos mais atentos.

Também é verdade, embora injusto, que estes filmes servem como balões de oxigénio a Cruise, cuja carreira já viu muito melhores dias, convenhamos. Mas ele gosta do que faz, é convincente, não usa duplos e corre como ninguém mais corre, estando aí para as curvas.

Tudo isso é verdade, mas cinema é isto mesmo, um eterno ritornello ao que todos já vimos, aqui ou ali, salvo naquelas raras excepções sob algum toque de génio, o que não é o caso. Portanto, desta vez, nada a opor, pelo que vale bem a pena mandar os preconceitos às urtigas e ir a correr ver este novo fôlego do ex-marido de Mimi, Nicole e Katie, em one man show. Delicie-se com a série de perseguições estonteantes, de história simples e escorreita, a que não faltam cenários turísticos de encher o olho, boas marcas, luxo, violência e sangue com fartura, uma gargalhada espontânea aqui e ali e algumas claras piscadelas de olho a Hitchcock.

Portanto, nada a opor, Tom.


In O Diabo (8.9.2015)

terça-feira, setembro 01, 2015

Filmes em revista sumária #513


«Vai Seguir-te» (no original, It follows) pode parecer, e é, mais um filme de terror sobrenatural passado com adolescentes, em situações mais ou menos picantes e declaradamente plagiado (o que não é vergonha nenhuma) na obra de John Carpenter, o guru deste tipo de filmes, desde que lançou o mítico «Halloween», em 1978 (veja-se, por exemplo, como David Robert Mitchell, certamente seu fã incondicional, filma aquele fabuloso plano-sequência inicial, quase que resumindo em apenas 10’ todo o filme do mestre). Mas não é um filme qualquer.

E não o é porque está muito bem feito, acima de tudo por isso, porque tudo o mais, verdade seja dita, está visto: a praga do outro mundo, que vem para punir as promiscuidades de uma juventude inquieta, com pais ausentes; os gritos e as perseguições histéricas, as fileiras de casas (abandonadas ou não) dos subúrbios americanos, etc. Assim, em termos de realização, mesmo que chegando tarde e a más horas a Lisboa (o filme é de 2014), «Vai Seguir-te» está muitíssimo acima da média da maior parte dos seus congéneres mais recentes, americanos ou não, em formato mais ou menos terrífico-cómico, pelo que os parabéns vão quase inteiros para Mitchell (ele também é argumentista, mas este não vem ao caso), pela capacidade extraordinária que ele teve em saber manter permanentemente a tensão dramática e em conseguir-nos assustar mesmo quando já calculamos o que vai acontecer. E pela excelente direcção de actores, todos jovens e sem grande experiência defronte às câmaras – e certamente que alguns deles virão a ser estrelas, desde logo a mais que cheerleader do filme, Maika Monroe.

E não podem ir inteiros para o realizador por duas razões de peso, e também de assombro: a esmeradíssima e sempre imaginativa fotografia, do jovem Mike Gioulakis (mais um nome a reter) e a belíssima música electrónica, de Rich Vreeland (idem), que consegue nunca se repetir.

Resumindo, «Vai Seguir-te» merece um segundo visionamento e um lugar de relevo na estante lá de casa, tal como a sua banda sonora.

Ah, e aquele piscar de olho à piscina de «Cat People», na cena crucial do filme!


in O Diabo (1.9.2015)