segunda-feira, fevereiro 27, 2006

E o meu televisor cobriu-se de veludo azul

Sábado passado (*) acendo por acaso o televisor e dou de caras com um dos meus filmes preferidos. Vejo Isabella Rosselini despida e prostrada, a raios-X. Dennis Hopper sorvendo droga em máscara de oxigénio, e povoando os nossos piores pesadelos. Dean Stockwell cantando em playback. Oiço Badalamenti em pot-pourri inspiradíssimo. E fico a saber muito mais da vida e morte dos rouxinóis.

(*) Obrigado, Daniel Pereira.

Bem-vindos ao Moulin Rouge londrino

Este «Mrs.Henderson Presents» é o filme ideal para quem quer passar uns bons momentos mergulhado no revivalismo dos Anos Loucos do século passado, numa Londres entre guerras, sob o fogo da Luftwaffe, nos meandros do vaudeville das maminhas ao léu, que tanto custou a trespassar a fleuma britânica. Tudo com muito panache, diálogos bem humorados e aquele profundo sentido profissional com que todas as produções da BBC nos habituaram. No entanto, e dentro do género, a minha preferência vai, direitinha e inteirinha para «Topsy Turvy» (1999).

Judi Dench está magnífica, e a cada vez mais «incontornável» Kelly Reilly também (alguém consegue descobrir por aí rosto mais malandro do que o dela?). Bob Hoskins não deslustra, na linha do que já fez antes. Este filme de Stephen Frears (que se apaga) é claramente merecedor dos Óscares para guarda-roupa, música e décors. Mas a cereja no cimo deste bolo de plumas e extravagância da viúva milionária e excêntrica, Mrs.Henderson, é mesmo o seu fabuloso genérico, feito de animação e inserts de filme de época ... a não perder, mesmo se quiser entrar na sala incógnito, já às escuras, como certo político o fez na minha sessão.

Capote muito mais que «Capote»

O melhor que se pode dizer de «Capote» é que a partir de agora, cinematograficamente falando, Truman Capote é Philip Seymour Hoffman, com tudo de bom e de mau que isso tem. Porquê? Porque Capote enquanto escritor e jornalista é, senão um filão, infinitamente mais do que nos é mostrado neste filme, fortemente enviesado à partida, voluntária - o episódio «A Sangue Frio» - e involuntariamente - o grande talento e carisma de um actor como Seymour Hoffman, em mais uma das suas interpretações ao milímetro (embora mais perfeita, se assim se pode dizer, nos momentos a solo, em que realmente é Capote) .

Enquanto filme está claramente dividido em dois; no antes e no depois do primeiro encontro na cela entre Capote e Perry Smith (ai que saudades de Robert Blake e Scott Wilson!!). Até aí é tudo escorreito, quase sem mácula, com uma belíssima reconstituição sócio-histórica, a geração Beat, a fronteira entre investigação e ficção, etc., e uma fotografia e direcção de actores que não condizirão, à partida, com a inexperiência do realizador. A partir daí a coisa torna-se monótona, a mensagem, repetitiva; filme de actor. O filme arrasta-se uns largos minutos até aos 15 minutos finais.

Brosnan está em Lisboa, por 7,5 milhões € (*)

Para rodar um anúncio da Cerveja Sagres. Chegou 5ª Feira passada e está hospedado no Ritz. E eu só te disse ontem, para evitar coisas, que sou ciumento. Pergunta-se: estará precisado de cash?

(*) Este é o bolo total da campanha publicitária.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Travesti morto com requintes de malvadez

Chocados, é o que todos estamos, com o crime e com os requintes de malvadez que meia dúzia de pirralhos das Oficinas de São José cometeram no Porto. E as pessoas questionam-se com o que os teria levado a fazer aquilo. Eu lembrei-me logo que poderiam ter visionado na véspera (e não sabido deglutinar) o bando de Alex De Large sob o comandado de um fabuloso Malcolm McDowell. Terá sido uma associação de ideias só minha?

Los olvidados #5: Max Linder (1883-1925)

Sejamos honestos: este pequeno génio girondino nunca foi tão conhecido quanto Chaplin, Keaton, Harold Lloyd, Langdon, Arbuckle, W.C.Fields, Laurel & Hardy, etc., apenas e só porque era francês, ou seja, porque era a antítese do comediante do seu tempo. Mesmo tendo aparecido antes deles todos, o seu humor de fino recorte, a sua pose aristocrática, os seus gestos eloquentes; mas também a debilidade física e as sequelas da Guerra de 1914-18, nunca deixaram que ele se afirmasse como o mais popular, o melhor de todos. E só vi filmes dele na TV, por obra e graça da quintessência do serviço público que é o ARTE, e porque havia um senhor chamado António Lopes Ribeiro que o exibia, raramente, no seu «Museu do Cinema», da ex-RTP de serviço público. Da sua estada na América quase nada ficou. Na Europa, já no fim, ficou o escândalo do seu suicídio após ter matado a mulher. Hoje, o seu nome associa-se a um dos grandes cinemas que ainda estão de pé em Paris. Fica-nos esta consolação, escrita por Chaplin: «For the unique Max, the great master - his student Charles Chaplin». E é pena, porque, como alguém já escreveu: Max est Cinéma, comme le cinéma lui-même. Descubramos, pois, os seus gags, a sua imaginação, as soluções técnicas, o imprevisto dos seus filmes.

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quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Vaghe Stelle dell'Orsa

A propósito de «Il Gattopardo» e de um oportuníssimo comentário apelidando, e bem, Visconti de leopardo, fiquei a matutar no local, ou melhor, no sítio da suas (nossa) Itália; de todos os que o viram passar, viver e filmar; aquele que eu elegeria como seu habitat. E decidi-me pela etrusca, misteriosa e fascinante Volterra, de «Vaghe Stelle dell' Orsa».

O cartel do petróleo não é propriamente o cartel da droga

Filme de fachada. Feito de retórica, a ainda por cima mal construído, sem conteúdo senão o boato e a trica pseudo-política. E como se isto não bastasse é confuso, fastidioso e nunca mais acaba.

Mistura alhos com bugalhos, e embrulha tudo em papel celofane, como se o facto de ter no c.v. o argumento de «Traffic», bastasse a Stephen Gahan para ombrear com Soderbergh. É caso para dizer que fez mal ao regressar ao local do crime, pois não foi suficiente mudar de cenário para que a receita voltasse a dar bons resultados.

Em «Syriana» é quase tudo medíocre, quando não, mau; e mesmo a interpretação de Clooney está hiper-valorizada, pois não basta fazer olhos de cão arrependido para se ganhar uma estatueta. Assim, não.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Los olvidados #4: Mae West (1893-1980)

«When I'm good, I'm good. When I'm bad, I'm very good», disse Mae uma vez, e eu concordo com ela. A sua voz de cana rachada, a sua irreverência, a sua recusa em ser Norma Desmond, em «Sunset Boulevard», porque achava que «ainda não tinha sido»; as suas plumas, a sua extravagância, o seu humor burlesco, das variedades; indiscreto, picante, corrosivo e arrogante, mas ao mesmo tempo subliminar por causa do Código Hayes; a sua capacidade para «acarinhar» potenciais estrelas (ex.Cary Grant, George Raft, ...), fazem com que eu tivesse simpatizado de imediato com ela, quando pela primeira vez a vi num filme, em «Klondike Annie» (1936). Depois vi-a em mais alguns, não muitos, porque, apesar de ter sido uma estrela maior do vaudeville (desde os 10 anos de idade) e no palco, a sua carreira na grande tela é escassa, de apenas 13 filmes. Nunca foi bonita, conforme aos cânones do star system, mas é uma esquecida de que nunca me esqueço quando estou mal disposto, e para isso basta-me lê-la numa das suas inúmeras citações, como por exemplo esta: «I don't remember how many lovers I've had, there were so many. I was never interested in the score, though --- only the game. Like my line, It's not the men in my life that counts but the life in my men.».

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Parque Mayer deverá preservar Capitólio?!!

A notícia é surpreendente, e seria objecto de mil e um aplausos aqui deste pequeno monstro dos antípodas, pois defendo com unhas e dentes o magnífico e esquecido Capitólio, obra máxima de Cristino da Silva; mas, depois de mirada mais atenta, aí está em todo o esplendor a confirmação de que o que a Srª Vereadora Seara diz não se escreve.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Primeiro o leopardo, depois a hiena, o que virá depois?

Confesso que cinema como o que contém «Il Gattopardo», nestes últimos meses, só mesmo com a estreia de «Saraband», de Bergman, ou com a reposição de «Sunrise», de Murnau. Pese embora já tivesse visto o filme que tornou ainda mais imortal (se isso se pode dizer) a obra da vida de Tomasi di Lampedusa, na realidade só o vira na pantalha diminuta das tv, nunca em écran de cinema. Desta vez, e apesar do cinema Nimas não ser um São Jorge, nem um Odéon ou um Tivoli (talvez fosse aqui o seu cinema de eleição), muito menos um Éden ou um Monumental, todos podemos admirar no cinema esta obra prima de Visconti graças às boas práticas de Paulo Branco. Continue com mais cinema de reprise, S.F.F.

Dito isto, pouco mais há a acrescentar salvo: ide a correr ver «Il Gattopardo». Ide ver a Sicília intemporal, feita de eternos contrastes, e ide ver os sicilianos que se julgam deuses. Ide apreciar aquele que terá sido o papel mais anti-Lancaster da sua filmografia. Ide ver Cardinale e Delon no auge da sua beleza. Mais a excelente qualidade de alguns dos melhores secundários do cinema italiano, como Paolo Stoppa ou Romulo Valli. Ide ouvir a partitura inspiradíssima de Nino Rota. E ver a fotografia de tirar o fôlego, de Rotunno. Os décors; a reconstituição histórica de um período tumultuoso da de Itália, feita à lupa por Visconti. Ide ver algumas das melhores cenas do cinema de Visconti.

Mas, acima de tudo, atentai nos magníficos diálogos que Lampedusa faz sair da boca do Príncipe de Salina. Cada frase saída dos seus lábios é uma sentença salomónica, no melhor sentido do termo. O que faz deste filme um verdadeiro tratado filmado de pura sociologia e de ciência política: a luta entre e intra-classes, a ascensão social, as fraquezas humanas, o fachadismo, os elementos da Natureza, o Homem. Magnífico, este «Il Gattopardo»!

O melhor plano? A família de Salina, em contra-picado, na varanda, despedindo-se de Tancredi. As melhores cenas? As conversas entre o Príncipe e o padre, no escritório; e com o deputado Cavouriano. As melhores sequências? O baile final, inspirador de mil e um realizadores, de Scorsese a Sokurov. Mas também o piquenique à Renoir. A chegada da família em procissão. A perseguição amorosa de Tancredi e Angelica por entre as divisões abandonadas para satisfação de vícios privados. A batalha entre piemonteses e realistas, filmada de jeito operático.

Afinal, escrevi muito...

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Uma biografia acima da média, mas pouco mais

Foi com poucas ilusões que fui ver «Walk the Line». A vida e carreira de Cash pouco ou nada me diziam. Não gosto de música country, salvo algumas lamechices de Rita Coolidge. Mas a interpretação de Joaquin Phoenix arrebatou-me e, embora, não me faça ir a correr comprar os discos de Cash, a verdade é que passei a estar mais curioso com tudo quanto tem a ver com aquele cantor.

Enquanto filme biográfico é tão verosímil quanto o pode ser uma autobiografia, e enquanto filme, tout court, está uns quantos furos acima dos biopics habituais, sejam filmes, sejam telefilmes. A história está bem colada, a realização de Mangold, mais uma vez, não deslustra, apesar de lhe faltar aquela centelha que faz a diferença. E Reese Witherspoon fez-me descobrir uma June Carter que desconhecia.

Bafta sem surpresas de maior

Ontem, como hoje, tudo como dantes: Ang Lee e os seus pastores apaixonados somaram e seguiram. Capote impôs-se a Johnny Cash. Reese Whiterspoon impôs-se a Rachel Weisz (apupo). O coração inglês falou mais alto e o Bafta para melhor actriz secundária foi para Thandie Newton, por «Crash».

Temporal no mar, gaivotas em terra

E no temporal do «progresso» se foi aquela sala do Apolo 70, tão modernaça quanto bonita e confortável, onde vi muitos e bons filmes, em sessões lotadas como aquela em que vi «Fernão Capelo Gaivota» (1973). Por sinal, gostava agora de revê-lo em écran condigno, para ver se o filme de Bartlett e a música de Diamond sempre tinham, ou não tinham, algum do pózinho piroso do livro de Richard Bach.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Los olvidados #3: Jules Dassin (1911-)

O que tem graça no meio disto tudo é que o americanérrimo Julius virou Jules por culpa do senador McCarthy, via Dmytryk, e foi em França que conheceu a fogosa grega Mercouri, baptizou o filho de Joe (meloso e saudoso cantor dos anos 70) e viu crescer uma legião de fãs. Realista dos sete costados, e apesar ter começado pela comédia, ficou célebre por um punhado de policiais (film noir, como diriam os franceses) de encher o olho e colar-nos ao écran, de que os três principais e mais inolvidáveis são: «Du riffifi chez-les hommes» (1955), «Night and the City» (1950) e «The Naked City» (1948). Foi influenciado por Hitchcock, e diz-se que influenciou Kubrick, em pleno plateau (aqui deixo o meu «?» pois não creio que o mestre fosse influenciável!). Para mim, fica essa prodigiosa jornada de Widmark, fugindo por entre a noite e a cidade, até ao estertor final.

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Can't Get Out of this Mood

Mil desculpas, Billie; outras tantas escusas, Nina, mas ele há dias assim e hoje estou na mó de baixo, por isso estou mais virado para Sarah Vaughan. Perdoem-me!

Há vida em Markl?

Este malandim nunca mais apareceu nem disse nada. Homem! Estás atolhado em bonecos? Vocês estão bons?

Já me chamaram muita coisa, mas Inspector Martelada??!!

Foi ontem, ia eu para casa, quando me cruzei com o metro e meio de homem, amalucado, que costuma ler livros sem parar na FNAC do Chiado. "Oh filho, estás lindo, pareces o Inspector Martelada"!, atira-me ele à cara. Naquele instante só me apeteceu transformar o meu chuço em bengala de Mr. Hyde, e abrir-lhe o crâneo de um só golpe. Não sou barbudo, muito menos tenho o corpanzil do Bud Spencer. Mas, depois, mais calmo, desatei a rir e só parei de rir de barriga cheia.

Anedota de excepção

Não é meu costume contar anedotas, muito menos escrevê-las aqui, até porque não tenho jeito para as contar, mas por culpa de dois dos meus blogues preferidos que vêm falando de suecos e de Cabo-Verde, acho que vale a pena este momento de humor que me chegou via Net:

"Vira-se o marido para a mulher :
- Paulinha, tenho um grande segredo para te dizer: Sou daltónico!
- Sim... eu também tenho de te contar um grande segredo: eu não sou sueca, sou cabo-verdiana!"

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Los olvidados #2: Anna May Wong (1905-1961)

Esta belíssima sino-americana teve a sorte e o azar de ser a primeira asiática a fazer furur em Hollywood. A sorte, porque foi precursora de muitas mais até ao nossos dias. O azar, porque sofreu na pele o facto de ser chinesa, pois só assim se explica que, apesar de a considerarem a mulher mais bem vestida do cinema, também fosse conhecida ao seu tempo como «a actriz que nunca era beijada». Mesmo assim teve arte e engenho para sobreviver à transição para o cinema sonoro, e deixar-nos coisas magníficas como o seu pas-de-deux com Fairbanks, em «The Thief of Bagdad» (1924), e «The Savage Innocents (1959)».

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Hoje é dia de estreias, e há algumas coisas interessantes q.b.:

Johnny Cash em biopic, os casos de polícia do cartel do petróleo, em «Syriana», e a primeira incursão de Tommy Lee Jones pela realização. Mas, uma coisa é certa: os senhores da Disney podem tirar o cavalinho da chuva que não irei ver o «Bambi II». Por fidelidade às minhas memórias, por deslumbramento pela técnica prodigiosa e pelo refinado bom gosto do seu predecessor de 1942, e por respeito para com Walt.

Saudades por entre naftalina

Ontem, remexendo em papéis dos anos 20, descubro algo desconhecido: o Fado Anita. E comovi-me, lembrando-me de quando me apertavas, cobrias de beijos e me empaturravas de mil-folhas a transbordar de chantilly, saidinhos de fresco da Bijou, da Avenida, que já se foi. Que pena teres nascido na terra aqui do lado, Anita Salambô. Porque carga de água não nasceste para o Mudo de Bertini ou de Borelli?

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Los olvidados #1: John Garfield (1913-1952)

Começo aqui uma rubrica sobre os esquecidos do cinema. Aqueles que nunca são recordados. De que ninguém faz retrospectivas, nem são dados a descobrir pela TV. E começo por John Garfield, um dos meus heróis. Actor maior, de forte presença no écran, e não menos forte entrega aos papéis que vivia. Talvez o grande rebelde da 7ª Arte, mais do que Dean. Talvez muitos só o conheçam do seu papel de vagabundo desempregado, desencaminhado do bem por uma Lana Turner despudorada, em «The Postman Always Rings Twice». A esses recomenda-se, entre alguns outros títulos fundamentais, «He Ran All the Way» (1951), policial negro e desencantado do também olvidado, John Berry, em que todos nós morremos um pouco com Garfield, quando cai o pano; por sinal o seu último filme.

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terça-feira, fevereiro 14, 2006

Save all your kisses for me

Hoje e até ao resto das nossas vidas, guarda todos os teus beijos para mim.

P.S. Quem não saiba o significado de beijo, ou já o tiver esquecido, é favor observar os 5 minutos finais de «Il Nuovo Cinema Paradiso» (1989).

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

É quase pecado capital ver «Derailed»

Este é realmente um filme não fora dos carris, como o título original sugere, mas bem dentro do que é monótono, déjà vu e tremendamente corriqueiro neste tipo de filme. Ou seja, «Pecado Mortal» é quase insuportável porque está perfeitamente dentro dos carris. Tudo é visto, revisto e previsto a partir do apito do pica. Clive Owen ri em demasia e Jennifer Aniston dificilmente fará passar a ideia de «mulher fatal». Vincent Cassel, esse, é uma anedota enquanto vilão extravagante. E pouco importa que o sueco Hafstrom tenha já sido candidato ao Óscar para melhor filme estrangeiro noutra ocasião. Deve ter sido já contaminado pelo pior que o cinema norte-americano pode ter: a repetição do mesmo.

Vem aí «The New World»!

Mesmo descontando os habituais exageros de certa crítica lusitana presente na Berlinale deste ano, a verdade, verdadinha, é que o novo filme de Terrence Malick promete. Porquê? Por causa da história, dos actores, da fotografia, dos outros filmes de Malick. Ou seja, por causa de tudo.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

A montanha pariu o quê?

«Brokeback Mountain» é, acima de tudo, um excelente melodramático, e um não menos excelente «western». Mas um filme de «cowboys» da segunda metade do séc.XX, com tudo o que isso acarreta de bom e de mau. E é nessa perspectiva que deve ser visto, apesar de todos sabermos que, sinais dos tempos, não fora o «picante» que tem (independentemente de ser um condimento totalmente oportunista), provavelmente a atenção que este filme teria seria menos de metade daquela que tem conseguido nas parangonas da imprensa e no efeito boca-a-boca, não pelo imenso mérito cinematográfico que tem, mas pela coisa em si mesma.

Não que o filme seja veículo de propaganda do «lobby gay» (afinal de contas a coisa já foi filmada, em tom mais filtrado, subliminar, se se quiser; basta ver «Warlock», por ex.), ou de outro qualquer (o dos fabricantes de camisas de flanela aos quadrados, por ex.), que não o é, mas lá terá o seu «anexo de e-mail», de que só fará «download» quem quer. Por isso, neste filme (e é só disso que se trata), onde uns verão uma história de amor do mais clássico que Hollywood alguma vez nos deu; outros verão um precedente perigoso o desta montanha perversa; e outros ainda um filme sobre um caso tão escabroso e marginal quanto o dos pastores da Sardenha profunda que faziam sexo com as ovelhas, ao cair da noite, em «Padre Padrone» (1977), apenas curioso.

Voltando aos predicados do filme, é impossível deixar de registar a extraordinária fotografia, verdadeiramente assombrosa, do mexicano Rodrigo Prieto, e a capacidade de Ang Lee em lidar de forma objectiva e franca com os grandes espaços e com os cânones norte-americanos. Já os actores, uns estão mal (é disso exemplo um esforçadíssimo Heath Ledger), outros estão assim assim (Jake Gyllenhaal engrenou o piloto-automático desde «Donnie Darko»), e outro(a)s estão espantoso(a)s: Anne Hathaway e Michelle Williams, como mulheres traídas.

Mas feitas as contas finais, o que temos? Temos um filme que talvez um americano dos sete costados nunca teria feito, ou ousado fazer. Por isso o simbolismo de ter sido Eastwood, o pilar do protótipo do duro, a entregar o globo de ouro a Ang lee. O que dirá de tudo isto o verdadeiro «cowboy» dos anúncios da Malboro? Nunca saberemos!

O Rato Ruge?

Vasco Rato demitiu-se do PSD . Tem graça, não sabia que estivesse por lá. Pois é, nem Vasco é Sellers, nem Mendes, Arnold.

Ou quando a libido nos dá mate

E, já agora que falo nesse filme inolvidável dos anos 60, aqui fica outra chamada de atenção aos mais esquecidos. «The Thomas Crown Affair» tem a mais memorável partida de xadrez alguma vez filmada (desculparás, oh Pudovkine!). Como o reconhecerão Topalev, Annand, Kasparov, Karpov e Fisher, ou Capablanca ou Alekhine se estivessem vivos.

À espera de Pluto

Não, não vem aí o amigalhaço do Mickey (e nosso também), mas «Breakfast on Pluto», que poderá ser uma grande chachada - o que não deve ser, dado que é assinado pelo quase sempre magnífico Neil Jordan! - mas que é já um dos meus filmes do ano, mesmo sem ainda o ter visto. Porquê?

Porque usa e abusa (e é mesmo para isso que essa partitura serve) de «Windmills of your mind», de Legrand. Uma vez entrada na nossa memória RAM, não mais de lá sai ...

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Curiosidades #2: Renoir (filho) polémico em Lisboa

Parece que o truculento genial (ou seria o contrário?), autor de «La Règle du Jeu», e de uma resma de filmes de sempre, era, não sei se por inspiração boémia de Montmartre que o viu nascer, se por outra razão qualquer, gostava de entrar em contradição consigo próprio. Vai daí, num belo dia de 1940, em Lisboa, e enquanto esperava pelo navio que o havia de levar até à América, ele, comunista declarado uns aninhos antes, faz as seguintes declarações:

P: "Alors, M. Renoir, vous quittez l'Europe? Vous quittez la France?"
R: "Hélas oui... Et ce n'est pas sans regrets. Mais je suis un homme d'humeur, et souvent irréfléchi, et j'ai commis quelques imprudences. Je me suis stupidement compromis avec le Parti Communiste et les gens de gauche. Mais le temps travaille pour moi. Je reviendrai en France. Hitler est un homme à ma main, je suis sûr que nous nous entendrons très bien tous les deux, car nous sommes confrères. J'ai été victime des Juifs qui nous empêchaient de travailler et qui nous exploitaient. Quand je reviendrai, je serai dans une France désenjuivée, où l'homme aura retrouvé sa noblesse et sa raison de vivre."

A irmandade Wilson nada vale sozinha em campo

«The Wendell Baker Story» é uma fita cujo único interesse reside em rever Harry Dean Stanton, e ver como Kris Kristofferson se auto-parodia como Nasher. Tudo o mais é uma perfeita palhaçada, que talvez tenha dado imenso gozo aos manos Wilson rodarem-na, mas que ao espectador com três dedos de testa só restará mesmo um sorriso forçado.

Jerry esteve na abertura da Berlinale

Perdi, pois, uma boa oportunidade de visitar a Berlim do pós-guerra, que não conheço (à outra conheço-a por via de Sternberg, Dietrich, Pabst, etc. e tal); de visionar «Pat Garrett & Billy the Kid - Director's Cut». E de suplicar por um dos autógrafos que mais desejo, o do «King of Comedy» (1983).Scheisse!

Já cá canta mais uma banda sonora

Ah! Não é que vi cumprindo em 100% o meu desidério de há tempos, e está já à venda, numa FNAC perto de si, a magnífica banda sonora de «One from the Heart»? Ora, já cá canta, claro, e já a pus a cantar e a tocar: uma maravilha! De que já não me recordava, pois não revejo o filme há muito tempo, para mal dos meus pecados enquanto conservador da minha videoteca. Tom Waits nunca esteve tão bem.

P.S. Agora só faltam «Tous les Matins du Monde» (1991), «The Thomas Crown Affair» (de Jewison, sempre!), «5x2» e «Once upon a Time in America». Haverá mais? Humm...

terça-feira, fevereiro 07, 2006

SMS de ontem às 20h51m, de Madrid, do meu amigo FCA:

"Já vai começar o concerto dos Depeche Mode, e há mesmo barbudos e carentões;-)"!

Pois é, cá fico roendo as unhas: o Pavilhão Atlântico está esgotado há muito e a minha única esperança é que regresse no Verão, a Alvalade. Mas, falando verdade, a verdade é que a última vez que os vi, no outro Alvalade, foi um banho de água fria: concerto às moscas, sob a luz de fim de tarde, vento que não deixava ouvir as músicas, e pouco mais que 1h30m de serviço público. Como será agora?

As minhas noites de Segunda-Feira são de loucos

É um martírio, confesso-vos: de um lado, os bilhetes de cinema, mais baratos, do outro a televisão. O AXN com Allison Dubois, perdão, Patricia Arquette fazendo de medium, numa série sem espalhafato mas com muita imaginação, às 21h30m. A RTP2, com aquele humor HBOniano, de Larry David e do comum dos mortais (eu, tu, ele, nós, vós, eles), com «Curb your Enthusiasm» às 22h. Logo a seguir, às 23H05m, também na RTP2, há «Rome» (a que já fiz referência), também da HBO (esta em parceria com a BBC - e que boa parceria!!), assinada pelo regressado John Milius. Mais tarde, na mesma RTP1, agora à 00h40m, a reposição de «Lost», umas das mais badaladas séries dos últimos tempos, e que na sua anterior passagem pela televisão havia sido deitada inexplicavelmente para as tardes de Domingo. Será uma estratégia das tv para combaterem o cinema? Ou antes uma total ausência de bom senso e competência em programar?

Hoje, às 22h «Há Bejios à Cinema» na Cinemateca

Em «The Big Parade» (1925), um dos melhores filmes de sempre, de uma época em que King Vidor dava cartas, e John Gilbert ofuscava a câmara e as suas parceiras de tela, desta vez uma soberba Renée Adorée. A não perder.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Munique: o filme que faltava

«Munique» é um bom filme de Spielberg, talvez mesmo o melhor dos últimos anos, de entre os poucos que rodou fora da esfera do género de aventuras e da ficção científica. Além disso é um filme que devia ter sido feito há muito, e esse é mais um ponto a favor de Spielberg, pois embora com 8 anos de idade, lembro-me do que a TV e a imprensa da altura noticiaram sobre o horrível crime cometido sobre a delegação israelita aos Jogos de Munique, pelos «Setembro Negro». Mas também me lembro de como as pessoas ficaram atónitas pela organização não suspender os Jogos. E de como foi mal feita a operação de resgate. E de como se «amnistiaram» alguns dos seus autores morais. E de quão grande era Golda Meir. Por tudo isso, há que agradecer a Spielberg a coragem a o empenho postos neste filme.

Filme que do ponto de vista cinematográfico é um magnífico filme de espionagem e acção, que precede a informação, como alguém já disse, e bem. Está excelentemente realizado, e convincentemente explicado. Tem alguns momentos inolvidáveis de verdade histórica (os directos e os relatos da tv da época, os meandros políticos em Israel, etc.), e de ficção cinematográfica (o clã francês intermediário, «o sal e a pimenta» de algumas das execuções feitas pela Mossad, etc.). Além disso, é um soberbo exemplo do que Spielberg é capaz a nível de direcção de actores. E também do que Williams é capaz, quando quer. Todas as nomeações aos Óscares são mais que justas; são obrigatórias.

Como teriam eles vencido os índios?!

Assistindo ao trailer de «Brokeback Moutain» o comentário na fila de trás:
- É aquele filme de cowbows pani***.
- Ah!
- Calcula tu, se eles fossem pani*** como é que tinham vencido os índios?!!
- Pois claro. Isto há cada uma...

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Terror q.b. nos antípodas

«Wolf Creek» peca, essenciamente, por ser um filme 90% «déjà vu». Visto, no facto de ser um filme onde o terror está perdido algures, no meio de nenhures, e personificado em alguém tão pérfido quanto patético, grotesco, mesmo; capaz das mais variadas barbaridades ao sabor da impunidade do desconhecido. Revisto, no facto de alinhar pelo diapasão insuperável de um «Deliverance» (1972), lição de moral para histórias de aventuras radicais.

Desta vez não temos desdentados nem banjo, nem rápidos nem arcos e flechas. Mas temos um deserto imenso, a noite inóspita, e um psicopata capaz de estripar uma rapariga inglesa, e usar uma espingarda com mira telescópica como o melhor dos «snipers». Para além de uma câmara ao ombro bastante nervosa, há também, bem entendido, aquela chancela ultimamente tão em voga: «este filme baseia-se em factos verídicos». Apesar de tudo, o filme tem alguns momentos bem conseguidos como seja aquele em que o velhote procura salvar uma das vítimas, em plena rodovia no meio do deserto.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

E como já tenho saudades de Sokurov!

As nuvens vêm aí. Cada vez mais escuras. Parecem as pinceladas tenebrosas e terrivelmente premonitórias de «Mãe e Filho». Para quando o regresso do poeta da tela?

Obituário: Moira Shearer (1926-2006)

Morreu a ruiva escocesa que personificou durante décadas a beleza do efémero. Muitos sonhos morreram quando ela se jogou para debaixo de um comboio, em «Red Shoes» (1948), depois do seu mentor tirano, Lermontov (fabulosamente interpretado por Anton Walbrook), lhe exigir mais do que tudo: dance is everything.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Boa surpresa é a série «Rome», às 2ª Feiras, na RTP2

Apesar de eu estar sempre de pé atrás com estas coisas televisivas sobre Roma, sem antes se consultar Suetónio, ou colegas. Apesar de ter levado um tremendo susto ao ver o genérico dobrado em português - pensei que desta vez iria ouvir César pela voz de um qualquer dos Morangos da TVI, ou lá o que isso é. Apesar do único defeito que lhe encontro: total ausência de carisma de todos os actores - a ser assim, Roma não teria sido o que foi, não é verdade?

Boa surpresa? Talvez não, dada a chancela da HBO. Insuperável.

Viva a minha Roma da Hausser-Elastolin!

Patrice Chéreau é, basicamente, «un emmerdeur»

E neste «Gabrielle», co-produção de forte cunho do canal ARTE, tem mais uma vez a oportunidade de o provar; de provar que nem com uma actriz prodigiosa como Huppert, nem com Conrad a servir-lhe de base de trabalho (se bem que só lá esteja a ideia central, nada mais), consegue fazer mais do que um pastelão.

Desta vez, o pastelão, mais ou menos à Oliveira, tem toques, aqui e acolá, de pretensiosismo decorativo (ver os momentos de pura filigrama filmada de «Gente de Dublin», de Huston, por ex.); vive sobretudo da prestação de Pascal Greggory, verdadeiramente trágico-cómico enquanto marido traído naquilo que tem de mais precioso, a sua colecção de bibelots. Há bela surpresas como a carta dactilografada no écran, e a música é bonita e só podia ser italiana. Mas é pouco, muito pouco.

A propósito de westerns ...

e da popularidade de «Brokeback Mountain», nunca percebi porque se deixaram de fazer filmes de cowboys e índios, e se passou, de um momento para o outro, aos pistoleiros solitários, de índole mais ou menos spaghettiana (e eu gosto de massas!), e agora isto. Tenho pena de nunca mais ter visto os meus Sioux, Apaches, Kiowa, Comanches, Cheyeenes, Navajos, etc. mais os seus tomahawk e wigwam, em terríveis assaltos e escalpes, numa altura em que o factor «Brokeback Mountain» era, em 99% dos casos, subliminar. Bolas, já nem na TV?!

If you wanna get rid of a circus girl, all you've gotta do is close your eyes

Hoje, ao ouvir o fabuloso trompete de «Cotton Club», lembrei-me que ainda me falta comprar uma bd imprescindível: «One from the Heart», de 1982. Ai aquele arco-íris!